Palestrante

LAURINDA MITE

Profissional dedicada e profundamente comprometida com a saúde, o desenvolvimento e os saberes tradicionais. Formada em Enfermagem em Saúde Materna e Infantil, ampliou sua trajetória acadêmica ao graduar-se em Antropologia Médica e Saúde Pública pelo Instituto Superior de Estudos de Desenvolvimento Local, onde também concluiu o mestrado na mesma área. Atualmente, é mestranda em Gênero e Desenvolvimento pela Universidade Eduardo Mondlane, investigando as intersecções entre saúde, gênero e dinâmicas comunitárias.


Como nyanga de iniciação, integra ao seu percurso científico uma dimensão espiritual e ancestral que orienta sua prática e pesquisa. Seu trabalho reflete um profundo respeito pelos sistemas de conhecimento tradicionais e busca promover diálogos entre os saberes da biomedicina e os das práticas curativas locais.


Agências Não-Humanas

Rios como Guardiões de Resistência Espiritual e Territorial  Bantu 

Nas cosmologias Bantu das comunidades da Província de Maputo, os rios são concebidos como entidades vivas dotadas de agência espiritual. Mais do que elementos naturais, funcionam como espaços de culto, comunicação com os ancestrais e afirmação territorial. Operam como mediadores entre o mundo visível e invisível, tornando-se símbolos de resistência diante de processos de deslocamento, urbanização e erosão cultural.

A pesquisa tem como objetivo investigar como os rios são compreendidos como lugares sagrados e agentes espirituais nas cosmologias bantu, analisando suas funções simbólicas e políticas na resistência territorial de comunidades rurais moçambicanas, especialmente no que diz respeito à crença de que os rios têm o poder de conduzir os humanos para uma vida espiritual nas profundezas. Para isso, adota-se uma abordagem qualitativa, baseada em revisão bibliográfica, observação participante em rituais e práticas locais que envolvem os rios como espaços de culto e comunicação com os ancestrais e análise de narrativas orais que relatam experiências de “chamamento” ou “desaparecimento” de pessoas levadas pelos rios, interpretadas como passagens espirituais.

A agência não se restringe apenas ao humano visível, mas inclui também forças espirituais, ancestrais e cosmologias locais que desempenham papel fundamental na organização social, nas práticas de cura e nas formas de resistência comunitária. Essas forças invisíveis, longe de serem ausentes, actuam como presenças activas que orientam práticas de cuidado, proteção e justiça, especialmente em contextos marcados por deslocamento, conflito e reconstrução social. A perspectiva amplia a compreensão da agência para além do material, reconhecendo a importância das dimensões espirituais e simbólicas na vida social das comunidades da Província de Maputo.

A análise revela que os rios são reconhecidos como guardiões de agência espiritual, capazes de convocar, proteger e punir. São espaços de culto onde se reforça a ligação entre os vivos e os mortos, e onde se negocia a identidade comunitária. Em contextos de ameaça, como projetos de infraestrutura ou exploração de recursos naturais, os rios tornam-se símbolos de resistência territorial, reafirmando o direito ancestral à terra e à memória. A cosmologia Bantu evidencia, assim, uma ecologia espiritual onde a natureza, território e ancestralidade formam um sistema integrado de saber, poder e pertencimento.

Palavras-chave: Agência espiritual, Resistência territorial e Cosmologia Bantu