Valorização da produção de farinha de mandioca na agricultura familiar: análise etnográfica multiespécie na comunidade Apaga Fogo, município de Alcobaça - BA
agroecologia, casas de farinha, etnografia multiespécies, Extremo Sul da Bahia, mandioca.
A dissertação investiga a dinâmica socioecológica da produção de farinha de mandioca na comunidade Apaga Fogo, localizada no extremo sul da Bahia. Inserido na linha de pesquisa em relações socioambientais, em Ciências e Sustentabilidade do Programa de Pós-Graduação da UFSB, o estudo analisa a agricultura familiar como prática de resistência territorial e ecológica frente ao avanço do agronegócio e da monocultura do eucalipto. O trabalho busca compreender como as interações entre humanos, plantas, animais, microrganismos e elementos naturais sustentam o sistema produtivo e a reprodução social e cultural da comunidade. O objetivo geral é analisar a produção de farinha de mandioca na agricultura familiar da comunidade Apaga Fogo a partir de uma perspectiva etnográfica multiespécie. Para isso, a pesquisa combina métodos qualitativos, com destaque para a etnografia multiespécie e a cartografia participativa, que permitiram mapear a distribuição espacial das 24 casas de farinha e compreender suas inter-relações sociais, econômicas e ecológicas. O trabalho de campo envolveu observação participante, registros visuais, georreferenciamento via QGIS e anotações sistemáticas em diário de campo, permitindo uma análise integrada entre práticas produtivas, saberes tradicionais e dinâmicas territoriais. Os resultados centrais indicam a existência de três núcleos produtivos principais, organizados a partir de laços familiares e proximidade com recursos hídricos, com 75% das casas mantendo processamento artesanal e 100% utilizando lenha como fonte energética. A produção de farinha revelou-se um eixo estruturador do território, articulando cooperação comunitária, transmissão de saberes e autonomia alimentar. As casas de farinha funcionam como “nós multiespécies”, onde se encontram e se reproduzem práticas ecológicas, econômicas e simbólicas. Identificou-se ainda que 91% das famílias afirmam intenção de permanecer na comunidade, demonstrando forte vínculo territorial e cultural. A atuação do MST e a adoção de práticas agroecológicas despontam como estratégias concretas de resistência e fortalecimento da agricultura familiar. A conclusão aponta que a valorização da produção artesanal de farinha de mandioca e dos saberes tradicionais associados constitui elemento central para a construção de modelos de desenvolvimento rural sustentáveis, baseados na justiça social, na diversidade socioecológica e na soberania alimentar. A pesquisa reafirma o papel da agricultura familiar como alternativa concreta frente aos impactos do agronegócio, evidenciando que práticas locais de convivência multiespécie podem inspirar políticas públicas voltadas à sustentabilidade e à preservação dos modos de vida no campo.