O PROCESSO DE MATRICIAMENTO ENTRE SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO BÁSICA NO EXTREMO SUL BAIANO – AVANÇOS E DESAFIOS DO TRABALHO EM REDE
Matriciamento; Saúde Mental; Atenção Básica; Desafios em Saúde Mental; Práticas democráticas em Saúde; Região Extremo-sul baiana.
O Matriciamento constitui-se em estratégia dialógica democrática, fundamental para viabilizar ações e interlocuções, de modo transdisciplinar e intersetorial, nas articulações em rede, nos territórios. Esta tecnologia social produtora de saúde tem possibilitado a ampliação das ações dos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos - os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – impactando e reconfigurando as relações interprofissionais, ao corresponsabilizar o cuidado. Frente aos recentes retrocessos em Saúde Mental, dos quais se destaca o retorno legitimado das práticas manicomiais, emerge o interesse em ampliar pesquisas sobre o Matriciamento entre Saúde Mental (SM) e Atenção Básica (AB) na Região Extremo-sul baiana. Assim, o objetivo da pesquisa foi caracterizar a percepção de profissionais da Saúde Mental e da Atenção Básica acerca dos avanços e desafios encontrados na sua prática profissional no processo de Matriciamento dentro do contexto do trabalho em rede nos municípios da região e executar e analisar uma proposta de Oficina de Educação Permanente/Oficina Preparatória para o Apoio Matricial junto a esses profissionais. Tratou-se de uma pesquisa de natureza mista, quali-quantitativa, desenvolvida em duas etapas: na primeira, foi feita pesquisa bibliográfica e documental sobre o fenômeno do Matriciamento e seu contexto com vistas a compor os capítulos de fundamentação teórica e permitir a discussão dos resultados. Na segunda, conduziu-se pesquisa de campo, com dois momentos distintos: o primeiro de caráter quantitativo, envolveu a aplicação de questionários e uma escala psicométrica, que foi preliminarmente validade neste estudo, que mediu a percepção dos profissionais quanto aos desafios e alcances do Matriciamento. Os dados coletados nessa etapa foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial, com o programa IBM SPSS 25, tendo sido considerado aceitável o nível de significância de 0,05. No segundo momento, da pesquisa-ação, realizou-se a Oficina de Educação Permanente preparatória para o Apoio Matricial, com a finalidade de trocar conhecimentos e desenvolver reflexão crítica sobre sua própria prática, com vistas à transformação de suas realidades, na qual a pesquisadora atuou como observadora participante. O momento quantitativo da etapa de campo foi realizado com 354 profissionais de Saúde Mental e Atenção Básica (sendo 83,1%. Mulheres, 58,2 com idades entre 36 e 55 anos, 83% da raça negra e 33,1% agentes comunitários) nos oito municípios da Região em estudo. Já no momento qualitativo participaram 345 profissionais com perfil sociodemográfico semelhante. Os resultados mostram que apesar de a maioria (74%) indicar corretamente o conceito de Matriciamento, 45,2% afirma não saber ou não se lembra que é parte de seu cargo realizá-lo. Além disso, 46,3% não conhecem os documentos do Ministério da Saúde (MS) que tratam sobre o tema e 20,9% não lembra desses documentos. A maioria dos participantes da pesquisa (58,2%) não recebeu treinamentos sobre Matriciamento, ainda que 48,9% já tenha participado de ações matriciais. A partir da Escala que mede desafios e avanços do Matriciamento, observou-se que essa tecnologia social oportunizou o “Aumento da resolutividade/Ampliação do acesso, das ações/formas de cuidado e de conhecimentos” e “Mudanças positivas de paradigmas culturais”. Por outro lado, os desafios que se apresentam como maior entrave são os “Problemas relativo à gestão”, “Visão negativa do Matriciamento e limitada sobre como deve ser feito o tratamento das pessoas com transtorno mental”, “Deficiência na formação profissional e de investimento em educação” e “Dificuldades impostas pelas condições de trabalho e pela desinformação da população/familiares acerca das ações do Matriciamento”. Além disso, a dimensão “Problema com as atitudes dos profissionais/Comprometimento” não foi percebida como um desafio para os participantes. Já com relação às análises inferenciais, os resultados indicaram que a percepção desses desafios independe do setor em que o profissional atua, seja AB ou SM, bem como os avanços independem do município em que atuam. No que diz respeito aos desafios, foram encontrados múltiplos efeitos do município que estão descritos detalhadamente nos resultados. Não foram observados efeitos significativos do treinamento sobre a percepção de avanços e desafios observados com o processo de Matriciamento, com exceção do “Problema de gestão”, que foi percebido como mais problemático pelos profissionais que já haviam recebido treinamento. Na etapa final, das Oficinas, foi feita a análise qualitativa do processo registrado no “Diário de bordo”, a partir das interações, cujos resultados demonstraram impacto das informações compartilhadas e a sensibilização dos participantes para com a temática do cuidado antimanicomial em SM na AB e do Apoio Matricial. Confirmou-se o desconhecimento sobre o Matriciamento e sua real importância para o cuidado mais eficiente, bem como a quase inexistência de ações robustas desta tecnologia social. De modo geral, observou-se que não havia compreensão de como executar o Matriciamento de modo permanente e eficiente, destacando-se a rotatividade, a falta de informação e de visão da Gestão como problemas. Além disto, foi comum aos participantes tanto da AB, como da SM, a presença forte do paradigma manicomial no cuidado cotidiano e na forma de ver os usuários com sofrimento psíquico intenso e transtornos mentais graves, sugerindo que isto contribua ainda com um cuidado mais medicamentoso/ médico-centrado e menos psicossocial. Espera-se que este estudo possa corroborar para ampliar reflexões sobre a importância das práticas democráticas em Saúde, como o Matriciamento entre SM e AB, e acerca da formação profissional, no aspecto dos cuidados em rede, contribuindo também para o protagonismo dos seus participantes nos territórios de pertença, e para ampliar possibilidade de efetividade em SM na Região Extremo-sul baiana.