Estigmas no caminho: itinerários para o acesso de pessoas negras ao cuidado em saúde mental
Racismo, racismo em saúde, determinantes sociais em saúde, estigma, itinerários terapêuticos, saúde mental.
A análise de histórias de vidas foi o caminho desenvolvido para o delineamento de itinerários terapêuticos de pessoas negras, usuárias de Centros de Atenção Psicossocial do município de Eunápolis-Extremo Sul da Bahia. Através das narrativas foi possível evidenciar a existência de determinações sociais oriundas de duros contextos de vida que promovem uma vivência em condições de múltiplos sofrimentos, pela fragilidade na composição de laços relacionais, precárias condições materiais e o constante cerceamento de direitos, além disso, se observou a emergência de barreiras de acesso, de origem geográfica, econômica e da própria estrutura do sistema de saúde. Os itinerários terapêuticos se desenvolvem a partir da compreensão do sofrimento mental, que ocorre em geral, após o surgimento de situações extremas de danos à saúde ou dificuldades de convívio social. A partir de então, os cuidados familiares e aconselhamentos surgem como primeiro apoio, seguidos pelo acolhimento diretamente no CAPS, fatores como intensidade de cuidados, ocorrência de recaídas e crises e o processo de trabalho do CAPS ordenam a circulação das pessoas nesse serviço. Os itinerários ainda são marcados pelo hospital como local de contenção da crise, com destaque para a pujança das comunidades terapêuticas na admissão de usuários em sofrimento pelo uso de álcool e drogas. Esse estudo evidenciou a fragilidade na composição da Rede de Atenção Psicossocial nesse município, marcado pela pouca comunicação entre os serviços e restrição de acesso aos portadores de sofrimento psíquico, quase sempre restrito ao CAPS, SAMU e hospitais. Para os usuários a compreensão sobre racismo apenas se torna evidente quando há uma fala pessoal e direta relacionada à cor da pele, sendo que para a maioria dos entrevistados, não houve uma percepção de relação entre a vivência de racismo e a ocorrência de sofrimento mental. A análise de documentos demonstrou que os profissionais de saúde não mencionaram o tema do racismo nas anotações de prontuário, o que evidencia um distanciamento da discussão sobre racismo na prática da clínica psicossocial, mesmo sendo os CAPS, um equipamento de maioria absoluta de usuários negros.