No Brasil, os estudos a respeito da política de proibição das drogas frequentemente ganham centralidade no campo das Ciências Sociais por abordarem, entre outros temas, os processos de seletividade e sujeição no sistema de justiça criminal. Entre outras críticas direcionadas à referida política de segurança pública, destaca-se o processo de seleção e prévia tipificação penal na fase da abordagem policial, justificada, muitas vezes, no conceito subjetivo da figura do elemento suspeito e baseadasem estigmas sociais, reproduzindo estereótiposque influenciam nosprocessos de distinção entre traficantese usuáriosde entorpecentes. Alimentadosporelementossociais, econômicos,degênero e,sobretudo,raciais,os estereótipos contribuem para as injustiças sociais e criminalização das classes e grupos sociais vulnerabilizados. Nessa perspectiva, o presente trabalho, cuja ideia surgiu a partir do exercício da prática estagiária na Defensoria Pública do Estado da Bahia, possui como tema principal a abordagem policial e os critérios utilizados pelos agentes para prévia tipificação penal entre traficanteseusuáriosde drogas. Nessesentido, objetivou-se analisaros processos de tomada de decisão dos policiais do município de Porto Seguro, no momento da abordagem, entre os delitos tipificados nos artigos 28,caput, e 33,caput, ambos da Lei nº 11.343/2006. Através da revisão bibliográfica e da análise documental, a pesquisa utilizou-se do estudo de caso para analisar os autosde prisão em flagrante delito e ostermos circunstanciados de ocorrência, lavrados entre os anos de 2020 a 2022, com a finalidade  de mapear as atuações policiais no município, construindo um perfil socioeconômico dos sujeitos tipificados como usuários e traficantes de drogas e, a partir dos critérios utilizados para tipificação penal, inferir se existe uma seletividade policial com base em critérios inerentes às pessoas. Como resultados, destaca-se a pequena quantidade de pessoas não-brancas registradas, contribuindo para a interpretação de que a cor da pele pode ser um critério para seleção dos agentes abordados. Ademais, a idade e o gênero foram outros critérios subjetivos que predominaram nos registros policiais. Entre os critérios objetivos destacados, foi possível perceber a maior tendência à tipificação pelo tráfico de drogas em casos onde as pessoas presas em flagrante portavam grandes quantidades e variedade de substâncias ilícitas, ainda mais se acompanhado da apreensão de aparelhos celulares, máquinas de cartão, arma de fogo, entre outros. Portanto, é possível presumir que os critérios que levam a ocorrência de umaabordagempolicialsãoinerentesaossujeitos,sendooselementosobjetivos responsáveis, em grande medida, na distinção entre traficantes e usuários no município.

O presente estudo aborda sobre a influência dos movimentos migratórios na gastronomia da Ilha de Moçambique, explorando as transformações socioculturais promovidos pelas trocas e dinâmicas culturais entre os povos locais e dos imigrantes. Reza a história que a Ilha de Moçambique foi anteriormente habitada por vários grupos étnicos provenientes de diferentes pontos do mundo o que impactou nos seus hábitos culturais, dos quais as práticas alimentares. A partir do registo etnográfico das memórias e histórias de vida relacionadas à alimentação das famílias da Ilha de Moçambique, foram identificadas mudanças ocorridas ao longo do tempo. Para efeito foram utilizadas as técnicas de observação participante, diário de campo, registo fotográfico, entrevistas colectivas e histórias de vida das famílias abrangidas pela pesquisa. Como resultado desta pesquisa, o estudo aponta existência de vários aspectos alterados em alguns pratos na Ilha de Moçambique. Como também foi notória a resistência em manutenção de alguns hábitos alimentares e os modos de confecção. O uso de temperos em alguns pratos que não era o habitual em tempos foi um dos aspectos verificado no campo de estudo, assim como o uso de caldo para melhorar o paladar da comida. O caldo foi vincado como um produto que faz mal a saúde dos consumidores pelo que alguns dos interlocutores criticaram o seu uso e questionaram sobre as políticas de consumo que não vedam a venda deste produto. Fora as transformações socioculturais verificadas nos modos de preparo em alguns pratos, o estudo apontou a imbricação cultural de alguns pratos com os hábitos culturais das comunidades da Ilha de Moçambique, pois referiu-se ao longo das conversas tidas com alguns dos interlocutores que existem pratos obrigatórios nas cerimónias tradicionais (evocação dos ancestrais). Estas ligações entre a alimentação e os povos mostram o quão a sociabilidade moderna tem enfrentados resistências culturais nas comunidades locais. A modernidade foi também observável na Feira e no Festival macute que realizam-se na Ilha, onde notam-se muitos aspectos modernos inerentes a alimentação. Estes elementos da modernidade vêm responder as questões levantadas pelos interlocutores sobre a carências de alguns itens que fazem parte da gastronomia local, o que obriga a esta comunidade a optar por consumir produtos manufacturados patentes em diversas mercearias na Ilha de Moçambique e não só. Do Museu buscaram-se informações sobre os instrumentos usados na cozinha durante longos anos na Ilha de Moçambique, assim como a sua evolução ao longo do tempo. Foi com base nessas informações que se percebeu o valor que as panelas de barro têm na conservação dos alimentos. O estudo apresenta as discussões das visões dos seus interlocutores confrontando com as bases teóricas consultadas ao longo da revisão da bibliográfica. Finda o estudo apresentando alguns pratos típicos do local de pesquisa na análise e discussão dos resultados, onde são indicados os dados sobre as mudanças de certos pratos que culturalmente resistem da modernidade alimentar que se verifica no mundo em geral. Conclui apresentando as considerações finais que ditaram o surgimento de novos hábitos alimentares na Ilha de Moçambique como consequência dos movimentos migratórios que esta região sofreu, nascendo assim a chamada gastronomia da Ilha de Moçambique. Foram apresentadas as perspectivas futuras das pesquisas.  

No Brasil, a telenovela é um dos produtos culturais mais assistidos e a Rede Globo de televisão é a maior produtora de telenovelas do país. Por isso, pensando nas imagens sociais que são produzidas pela telenovela, esta pesquisa objetiva a análise das representações raciais e de gênero dos personagens homossexuais negros Jeferson e Cido presentes nas telenovelas A Próxima Vítima (1995) e O Outro Lado do Paraíso (2017-2018), percebendo os discursos e ideologias utilizadas em que cada produção. Ambas foram exibidas originalmente pela Rede Globo durante o seu horário nobre, um dos horários mais importantes para a grade da emissora. Para tal, foi realizada a análise dos discursos presentes nas duas tramas sob o prisma da interseccionalidade das categorias raça, gênero e sexualidade comparando a representação de ambos os personagens. Dessa forma, as análises realizadas durante o trabalho foram baseadas nos escritos de autores como Ester Hamburguer (1998), Denise Ferreira da Silva (1991), Joel Zito Araújo (2019), Lilian Moritz Schwarcz (1998; 1994), bell hooks (2019), Osmundo Pinho (2004; 2015). 

A uberização do trabalho vem suscitando debates acerca dos limites entre o trabalho autônomo e aquele caracterizado como relação de emprego. À medida em que estas fronteiras são borradas, revela-se uma nova estratégia empresarial de ocultação da relação de emprego e precarização de direitos. O objeto desta pesquisa é a uberização, neologismo que advém da empresa Uber e se tornou sinônimo do trabalho realizado através de aplicativos digitais disponíveis em aparelhos celulares. Enquanto as empresas encaram isto como um trabalho autônomo e excludente da aplicação de leis trabalhistas, não há ainda uma posição consolidada sobre o tema nos tribunais. Esta tese investiga se a prestação de serviços de motoristas da Uber configura um dos requisitos da relação de emprego, a subordinação. A partir de uma perspectiva multidisciplinar, que conjuga o direito, a sociologia e a antropologia, o objetivo dessa tese é fazer surgir os elementos que constituem esta fronteira entre o formal e o informal. As reflexões aqui apresentadas resultam da aplicação de diferentes métodos de pesquisa, como a revisão bibliográfica, o levantamento de decisões judiciais e textos legais, além de uma abordagem empírica orientada pela etnografia que inclui a análise da plataforma Uber, redes sociais e um trabalho de campo dirigindo como motorista da Uber entre dezembro de 2021 e março de 2022 na região metropolitana de Salvador/BA. A tese demonstra como as técnicas da Uber, típicas do capitalismo de vigilância, fazem uso sistemático da subordinação e permitem o enquadramento do trabalho realizado por motoristas de aplicativo como relação de emprego.

A participação social voltou [2023] a ser pauta no processo de gestão de políticas públicas. Acerca disso, fervilham debates sobre a melhor arquitetura para inserir a população no planejamento, implementação e controle social dessas políticas. As experiências passadas estão sendo revistas para melhorar o desenho de novos percursos. Neste contexto, esta pesquisa analisou a participação social no Conselho de Desenvolvimento Territorial (CODETER) do Território de Identidade do Extremo Sul da Bahia (TIES), a fim de entender como os atores se organizam, se reconhecem e se envolvem em questões de seu interesse, para gestão das políticas públicas. A consolidação da participação no CODETER confirma-se na consecução e continuidade de ações no território e ocorre por meio do reconhecimento dos diversos atores desse instrumento como mediador de seus interesses na arquitetura da participação social na abordagem territorial. O estudo justifica-se como relevante porque o modelo de Políticas Públicas de Desenvolvimento Territorial (PPDT) implantado no Brasil em 2003 foi prefigurado na perspectiva de gestão participativa. Por isso, pesquisou-se a participação nesta política, a fim de entender como se realizou esse processo e como as relações se desenvolveram. Tratase de um trabalho realizado por meio de métodos e técnicas de natureza qualitativa e quantitativa, o qual demandou levantamento de dados secundários, pesquisa documental e de campo, pelo acompanhamento de ações do Codeter, entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionários. As teorias orientadoras do olhar para o problema levantado foram a “Mirada ao Revés”, de Rosana Boullosa, que permitiu localizar os atores e os identificarem no problema adjacente das dificuldades de participação e a “Teoria dos Incentivos Mútuos”, que orientou a localização dos elos da participação social no território. Como resultado, identificou-se que o modelo de gestão territorial aplicado à realidade do TIES-BA possui elos condutores de fortalecimento da participação no desenvolvimento territorial, ligados por forças originadas da identidade e da história política, demográfica, econômica e social do território, assim como foram identificadas fragilidades que estão ligadas à gestão da política que não contempla o Codeter com recursos previstos para sua manutenção, que compromete o reconhecimento do seu papel no processo. Espera-se que este trabalho seja orientador de outras pesquisas no território, diante das situações levantadas que requerem mais estudos para contribuir com os processos de políticas públicas de desenvolvimento territorial, de modo que sejam pensadas estratégias que atendam às demandas e bem-estar dos diversos atores.

A economia solidária é composta por atividades econômicas coletivas em que os trabalhadores se associam e praticam a autogestão de seus empreendimentos e negócios. As mulheres têm se destacado na economia solidária, tornando-se sujeitos políticos, participativos e empoderados, e ressignificando seus papéis na superação da exclusão e invisibilidade social. Esse estudo, de natureza exploratória e descritiva, teve como objetivo analisar como e de que forma as práticas de economia solidária podem contribuir nos processos de ressignificação dos papéis sociais, empoderamento e de construção de novos laços produtivos, reprodutivos, sociais e econômicos das mulheres trabalhadoras da COOMAFES. Para isso, foi realizado um estudo na Cooperativa de Mulheres da Agricultura Familiar e Economia Solidária - COOMAFES, no município de Valença-Ba, que tem se apresentado como importante instrumento e espaço coletivo de trabalho, reconhecimento e luta por melhoria de condições socioeconômicas, socioprodutivas e de construção de relações das mulheres na região Baixo Sul. A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa e, por meio do estudo de caso na COOMAFES, foram analisadas as histórias de vida das mulheres pesquisadas. Os resultados do estudo indicaram que a economia solidária para as mulheres da cooperativa estudada foi e é capaz de promover processos de autonomia, emancipação e empoderamento, bem como foi capaz de ressignificar papéis sociais e identitários, favorecendo mudanças nas trajetórias de vidas das mulheres, contribuindo para a construção de novos laços produtivos, reprodutivos, econômicos e sociais, baseados nos princípios da economia solidária e nas vivências no coletivo solidário. As principais conclusões do estudo apontam para o entendimento de que a economia solidária é sim, instrumento que pode promover mudanças nas histórias e nas trajetórias de vida de quem desenvolve atividades produtivas ligadas a ela, e, especificamente neste estudo, transformou as histórias de vidas das mulheres da COOMAFES e que dessa forma, pode servir de modelo para outros grupos da economia solidária, sejam mistos ou de mulheres, a partir de como elas se organizam, de como as experiências de cada mulher é valorizada, da importância que a cooperativa dá às formações dos membros do coletivo em termos de comercialização, organização de atividades produtivas, controle econômico-financeiro, bem como o incentivo a participação nos espaços, na busca por reconhecimento, autonomia, emancipação, através da ajuda mútua, valorizando as histórias individuais e a cultura das comunidades, fortalecendo laços sociais e identitários e buscando acessar a políticas públicas que possam fortalecer as pessoas através da geração de trabalho e renda, bem como desenvolver os empreendimentos econômicos solidários do território.

analisar a judicialização das relações de trabalho no campo em enfermagem no Brasil, no período de 2014 a 2022. Os objetivos específicos foram: analisar os desdobramentos do modelo de acumulação flexível e a função social do Estado, com ênfase no direito do trabalho e no processo de trabalho em enfermagem; caracterizar o perfil dos processos trabalhistas movidos por trabalhadoras do campo em enfermagem no Brasil no período de 2014 a 2022; analisar as demandas trabalhistas relacionadas à Síndrome de Burnout (SB) movidas por trabalhadoras do campo em enfermagem no Brasil no período de 2014 a 2022. Métodos: utilizou-se uma abordagem quantitativa e descritiva, de natureza documental e jurimétrica. Para embasar a análise, foram utilizados os construtos teóricos provenientes da categoria de "relações de produção" de Marx, assim como as perspectivas teóricas de autores com orientação marxista. O escopo geográfico foi o judiciário trabalhista e o escopo temporal foi retrospectivo, com o recorte a partir de 2014. Para coletar os dados, foi utilizada a técnica de raspagem de dados (webscraping) e o software Data Lawyer Insights. Resultados: Foram identificados 200.127 processos, totalizando R$ 13,96 bilhões de reais em valor das causas, com valor médio de R$ 70.245 reais. Em relação às fases processuais, existem 75.326 processos em fase de Conhecimento, 32.136 em fase de Liquidação e 11.493 em fase de Execução. Os Estados do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais apresentaram o maior número de ações trabalhistas. Entre 2014 e 2017, observou-se uma tendência de crescimento na distribuição dos processos trabalhistas, passando de 11.025 para 31.672 casos. A partir de 2018, verificou-se um declínio no volume de reclamações. A duração média do processo foi de 618 dias. No período de 2014 a 2017, houve um crescimento no volume de acordos e um aumento de revelias, enquanto a partir de 2018 esses números reduziram. Identificaram-se 407 processos que mencionaram a Síndrome de Burnout nos pedidos apresentados na petição inicial. No ranking de cumulação de pedidos relacionados à SB, a doença ocupacional foi a mais mencionada nos processos, seguida pela rescisão, adicional de horas e assédio moral. Verificou-se uma concentração de ações nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que somaram juntos 107 processos (46,7%). Os dados desta pesquisa indicam que a maioria dos pedidos foi julgado parcialmente procedente e resolvida na Primeira Instância. Conclusão: As mudanças na legislação trabalhista foram implementadas com o intuito de legitimar práticas empresariais anteriormente consideradas ilegais, alinhadas ao neoliberalismo. No entanto, decisões judiciais embasadas nos princípios constitucionais têm o potencial de reafirmar os direitos fundamentais e contribuir para a efetivação dos direitos laborais. Apesar do baixo número de pedidos relacionados à SB na Justiça do Trabalho, pesquisas indicam uma alta prevalência dessa síndrome entre as categorias do campo da enfermagem. Indica-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para encontrar soluções que possam atenuar os prejuízos sofridos pelas trabalhadoras, indo além do ambiente de trabalho, uma vez que esses problemas também afetam o ambiente social em que elas estão inseridas como cidadãs.

Compreender a ação governamental que impulsionou a criação do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), em 2009, e estabeleceu a sua macroestrutura, base para a sua execução e da qual partiram as alterações nele realizadas até que fosse descontinuado, em 2020, é o objetivo geral da presente tese, com especial recorte para a Faixa 1 do Programa, destinada ao estrato populacional de mais baixa renda, e para a modalidade que utiliza recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Para alcançá-lo, foi acionado um instrumental analítico fundamentado, principalmente, nos trabalhos de Maria Paula Dallari Bucci, cuja abordagem teóricometodológica permite a identificação e sistematização das condições, regras e instituições jurídicas necessárias à implementação das políticas públicas. Respaldado por este referencial, propõe-se uma leitura das dimensões jurídico-institucionais do PMCMV em duas etapas, que correspondem aos objetivos específicos da pesquisa: 1) a partir de um plano macroinstitucional, cuja reflexão gira em torno do contexto e das disputas políticas no ambiente do governo que desafiaram a sua concepção, a fim de evidenciar a decisão por ele tomada; 2) e a partir de um plano microinstitucional, em que se analisa a tradução normativa dessa mesma decisão e a regulamentação dos processos que organizam a ação governamental e conduzem aos resultados por ele alcançados, sobretudo quanto à produção do espaço urbano para a Faixa 1, onde se concentra o déficit habitacional e cujos empreendimentos localizam-se em regiões periféricas. Para o estudo da esfera macroinstitucional, recorre-se a uma revisão interdisciplinar de literatura, sustentada em autores/as que tratam das políticas habitacionais no Brasil e, mais especificamente, do PMCMV; no plano da microinstitucionalidade, são analisadas a Lei nº 11.977/2009 e as portarias produzidas pelo Ministério das Cidades e pelo Ministério do Desenvolvimento Regional entre 2009 e 2020, relacionadas às categorias eleitas para o desenvolvimento do tópico: escala e público-alvo; alocação de recursos; e o papel dos agentes governamentais e nãogovernamentais. Ao criticar as formas jurídico-institucionais do PMCMV, o estudo considera o conceito de direito à cidade empreendido por Henri Lefebvre como horizonte epistemológico do fenômeno urbano, bem como as tentativas de apropriação dele pelo ordenamento jurídico brasileiro, notadamente pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.251/2001), sua base principiológica e os instrumentos urbanísticos por ele estabelecidos, e pelo capítulo constitucional reservado à política urbana. Isto porque defende-se que tais pressupostos deveriam ser centrais numa política pública que anunciou o déficit habitacional quantitativo como o problema social que pretendia atacar e o direito à moradia e ao planejamento urbano enquanto garantias a serem efetivadas a partir de sua implementação. Por fim, tendo em vista os critérios de seleção dos/as sujeitas/as dos direitos veiculados pelo Programa e os dados históricos sobre a desigualdade urbana de raça e de gênero, aposta-se numa discussão sobre a interseccionalidade, para que se pensem novos pressupostos para o fazer institucional de políticas que lidam com a segregação socioespacial, como é o caso do PMCMV.

Este trabalho tem como situação impulsionadora a execução de um projeto que atuei como antropóloga, que envolvia diversos atores, com foco, objetivando capacitar os primeiros, a atuarem de forma adequada com as populações indígena, ao mesmo tempo garantindo os direitos humanos e a atenção diferenciada. No entanto, os atores envolvidos frequentemente oscilaram entre perspectivas conflitantes. Essa dualidade foi muitas vezes percebida como antagônica, destacando-se um ponto de análise fundamental: o embate entre o relativismo cultural, interpretado como particularismo, e os Direitos Humanos, entendidos como universalismo. Dessa forma buscou-se entender as formas e os meios de interação entre o povo Pataxó e o Estado e qual o potencial de mudança social e cultural desta relação, visto o encontro e choques de temas, modelos de conduta, lógicas que são reflexos de diferentes visões de mundo. Um esquema de execução da pesquisa foi iniciar historicizando esta relação e suas diferentes naturezas e impactos nas diferentes fases da história, passando a focar neste tipo de interação dos Pataxó com as instituições estatais na contemporaneidade, afunilando para o caso do citado projeto, mostrando como os Pataxó reivindicaram o acesso a direitos, identificando políticas públicas como uma possível ferramenta mitigadora da vulnerabilidade social que os afetam, e, mostrando também como pautaram o desenho do projeto para o incremento da atenção diferenciada em fase de implementação da política socioassistencial a nível municipal. Neste sentido há uma parte descritiva deste momento, no qual foram debatidos entre os participantes estratégias para enfrentar problemas persistentes identificados entre e pelo os Pataxó, que são característicos de uma situação de vulnerabilidade social, como a violência contra mulher, trabalho infantil, e uso e abuso de drogas. No segundo momento da pesquisa, buscamos saber sobre os desdobramentos dos esforços empenhados no projeto, com a execução do redesenho, assim como possíveis mudanças no intervalo de tempo entre as pesquisas de campo, em relação aos temas centrais do projeto. Em um ciclo de retroalimentação, além de pesquisa bibliográfica, foram empregados elementos para ilustrar determinados temas, como conteúdos provenientes do jornalismo e das mídias sociais. O conjunto de materiais analíticos compreende as experiências de campo durante os anos de 2015-2016, acrescida de pesquisa de campo realizada entre 2019 e 2023, na qual foi disposta entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, e acompanhamento de caráter etnográfico de algumas situações e de forma multissituada. Quanto a presença ou não do Estado em contextos territoriais indígenas, podemos de certa forma afirmar que, apesar de indesejado (e as vezes circunstancialmente dependendo dos governantes no comando) em alguns casos ou por algumas vertentes destas sociedades, o Estado é presente nestas situações. A estrutura estatal, percebida como inevitável, passa a ser instrumentalizada pelos Pataxó, para reivindicar meios de mitigar ações do Estado desvantajosas para os povos indígenas e que os colocaram em uma situação de vulnerabilidade social na atualidade. Entende-se aqui que o Estado pode garantir direito da mesma forma que pode ser violador de direitos. Foi percebido uma postura de protagonismo dos Pataxó, no desejo e luta para ocupar espaços públicos e instancias próprias do Estado entendendo como forma de garantia de direitos e políticas públicas. Quanto a possíveis mudanças culturais, à luz da antropologia e aos estudos de etnologia indígena no Brasil, podemos afirmar uma cultura como um sistema aberto e dinâmico pode ser modificada por interferências externas ou inquietações internas.

O Matriciamento constitui-se em estratégia dialógica democrática, fundamental para viabilizar ações e interlocuções, de modo transdisciplinar e intersetorial, nas articulações em rede, nos territórios. Esta tecnologia social produtora de saúde tem possibilitado a ampliação das ações dos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos - os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – impactando e reconfigurando as relações interprofissionais, ao corresponsabilizar o cuidado. Frente aos recentes retrocessos em Saúde Mental, dos quais se destaca o retorno legitimado das práticas manicomiais, emerge o interesse em ampliar pesquisas sobre o Matriciamento entre Saúde Mental (SM) e Atenção Básica (AB) na Região Extremo-sul baiana. Assim, o objetivo da pesquisa foi caracterizar a percepção de profissionais da Saúde Mental e da Atenção Básica acerca dos avanços e desafios encontrados na sua prática profissional no processo de Matriciamento dentro do contexto do trabalho em rede nos municípios da região e executar e analisar uma proposta de Oficina de Educação Permanente/Oficina Preparatória para o Apoio Matricial junto a esses profissionais. Tratou-se de uma pesquisa de natureza mista, quali-quantitativa, desenvolvida em duas etapas: na primeira, foi feita pesquisa bibliográfica e documental sobre o fenômeno do Matriciamento e seu contexto com vistas a compor os capítulos de fundamentação teórica e permitir a discussão dos resultados. Na segunda, conduziu-se pesquisa de campo, com dois momentos distintos: o primeiro de caráter quantitativo, envolveu a aplicação de questionários e uma escala psicométrica, que foi preliminarmente validade neste estudo, que mediu a percepção dos profissionais quanto aos desafios e alcances do Matriciamento. Os dados coletados nessa etapa foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial, com o programa IBM SPSS 25, tendo sido considerado aceitável o nível de significância de 0,05. No segundo momento, da pesquisa-ação, realizou-se a Oficina de Educação Permanente preparatória para o Apoio Matricial, com a finalidade de trocar conhecimentos e desenvolver reflexão crítica sobre sua própria prática, com vistas à transformação de suas realidades, na qual a pesquisadora atuou como observadora participante. O momento quantitativo da etapa de campo foi realizado com 354 profissionais de Saúde Mental e Atenção Básica (sendo 83,1%. Mulheres, 58,2 com idades entre 36 e 55 anos, 83% da raça negra e 33,1% agentes comunitários) nos oito municípios da Região em estudo. Já no momento qualitativo participaram 345 profissionais com perfil sociodemográfico semelhante. Os resultados mostram que apesar de a maioria (74%) indicar corretamente o conceito de Matriciamento, 45,2% afirma não saber ou não se lembra que é parte de seu cargo realizá-lo. Além disso, 46,3% não conhecem os documentos do Ministério da Saúde (MS) que tratam sobre o tema e 20,9% não lembra desses documentos. A maioria dos participantes da pesquisa (58,2%) não recebeu treinamentos sobre Matriciamento, ainda que 48,9% já tenha participado de ações matriciais. A partir da Escala que mede desafios e avanços do Matriciamento, observou-se que essa tecnologia social oportunizou o “Aumento da resolutividade/Ampliação do acesso, das ações/formas de cuidado e de conhecimentos” e “Mudanças positivas de paradigmas culturais”. Por outro lado, os desafios que se apresentam como maior entrave são os “Problemas relativo à gestão”, “Visão negativa do Matriciamento e limitada sobre como deve ser feito o tratamento das pessoas com transtorno mental”, “Deficiência na formação profissional e de investimento em educação” e “Dificuldades impostas pelas condições de trabalho e pela desinformação da população/familiares acerca das ações do Matriciamento”. Além disso, a dimensão “Problema com as atitudes dos profissionais/Comprometimento” não foi percebida como um desafio para os participantes.  Já com relação às análises inferenciais, os resultados indicaram que a percepção desses desafios independe do setor em que o profissional atua, seja AB ou SM, bem como os avanços independem do município em que atuam. No que diz respeito aos desafios, foram encontrados múltiplos efeitos do município que estão descritos detalhadamente nos resultados. Não foram observados efeitos significativos do treinamento sobre a percepção de avanços e desafios observados com o processo de Matriciamento, com exceção do “Problema de gestão”, que foi percebido como mais problemático pelos profissionais que já haviam recebido treinamento. Na etapa final, das Oficinas, foi feita a análise qualitativa do processo registrado no “Diário de bordo”, a partir das interações, cujos resultados demonstraram impacto das informações compartilhadas e a sensibilização dos participantes para com a temática do cuidado antimanicomial em SM na AB e do Apoio Matricial. Confirmou-se o desconhecimento sobre o Matriciamento e sua real importância para o cuidado mais eficiente, bem como a quase inexistência de ações robustas desta tecnologia social. De modo geral, observou-se que não havia compreensão de como executar o Matriciamento de modo permanente e eficiente, destacando-se a rotatividade, a falta de informação e de visão da Gestão como problemas. Além disto, foi comum aos participantes tanto da AB, como da SM, a presença forte do paradigma manicomial no cuidado cotidiano e na forma de ver os usuários com sofrimento psíquico intenso e transtornos mentais graves, sugerindo que isto contribua ainda com um cuidado mais medicamentoso/ médico-centrado e menos psicossocial. Espera-se que este estudo possa corroborar para ampliar reflexões sobre a importância das práticas democráticas em Saúde, como o Matriciamento entre SM e AB, e acerca da formação profissional, no aspecto dos cuidados em rede, contribuindo também para o protagonismo dos seus participantes nos territórios de pertença, e para ampliar possibilidade de efetividade em SM na Região Extremo-sul baiana.

A pesquisa visa problematizar os livros didáticos das Ciências da Natureza e suas Tecnologias utilizados no chamado Novo Ensino Médio (Lei n. 13.415/2017) no que diz respeito às relações étnico-raciais no Brasil e o ensino de biologia. Pergunta-se: Como, em especial, o/a negro/a são pensados/representados pelos temas propostos pelos li vros didáticos de biologia para o ensino médio? Há um reconhecimento racial da cultura negra, majoritária no Brasil, nas abordagens propostas nesses livros? Eles contribuem para o reconhecimento da igualdade racial no Brasil? Para responder a esses questionamentos traçamos o seguinte objetivo geral: Investigar as contribuições dos livros didáticos da biologia utilizados no novo Ensino Médio para a consolidação da Lei n. 13.415/2017. Esse objetivo geral se desdobrou nos seguintes objetivos específicos: a). Apresentar como o/a negro/a são pensados/representados pelos temas propostos pelos livros didáticos de biologia para o ensino médio. b). Analisar as concepções sobre relações étnico-raciais e o ensino Biologia presentes nos livros didáticos do Novo Ensino Médio; c). Identificar os limites e as possibilidades dos livros didáticos trabalharem as relações étnico-raciais considerando-se a BNCC do Ensino Médio.

Utilizando de fontes etnográficas, bibliográficas e documentais, esta pesquisa
tem o objetivo de compreender como que a implantação do Parque Nacional do
Monte Pascoal, iniciada em 1943 através de uma situação de sobreposição com o
território tradicional Pataxó, contribuiu por meio de um modelo conservacionista de
gestão ambiental para restringir a presença indígena na área, gerando um processo
de territorialização que caracterizou-se por um lado pela repressão do Estado,
restrições territoriais e violações de direitos, enquanto, por outro lado, este processo
foi marcado por transformações culturais e políticas que atuam como fatores
etnogênicos, conduzindo o povo Pataxó nas suas ações de reconquista ou retomada
territorial, o que implicou na constituição de novos mecanismos de mobilização e
organização sociopolítica, na reelaboração e revitalização de saberes e práticas
tradicionais, na formação de novas aldeias em áreas que se encontram sob o controle
o governo e da sociedade regional, além do desenvolvimento de modos sustentáveis
de etnodesenvolvimento e gestão do meio ambiente, como forma de compatibilizar o

uso tradicional indígena com a política de proteção ambiental instituída no âmbito do
parque

A presente pesquisa se insere no campo das políticas educacionais, fazendo uma análise da atuação das Unidades Executoras Próprias (UEx) no Programa Dinheiro Direto na Escola. As UEx se constituem como Colegiados Intraescolares que dentre outras atribuições, é responsável pelo controle social do PDDE, uma das políticas públicas de financiamento da União à educação básica, criada em 1995. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, que tem por objetivo investigar quais segmentos sociais, dentre os estabelecidos por lei, estiveram mais presentes na composição das UEx nos últimos seis anos, bem como analisar a atuação dessas representações, no que se refere ao controle social na rede municipal de Itamaraju/Bahia. Como procedimentos metodológicos serão utilizadas a análise documental e a pesquisa de campo. A análise documental se beneficiará de documentos nacionais, tais como: Resoluções e Manuais de Orientações do MEC/FNDE e documentos locais: Leis Municipais, Estatutos Unificados das UEx, Atas de eleições bienais e Atas de Assembleia geral das UEx. A pesquisa de campo, conta com 18 colaboradores, todos membros das UEx, de duas escolas da rede municipal de Itamaraju. O estudo terá como referencial teórico-analítico a Abordagem do Ciclo de Políticas, formulada pelos autores ingleses Stephen Ball e Richard Bowe, baseada numa perspectiva pósestruturalista para analisar a complexidade dos contextos políticos e os efeitos das políticas, partindo do entendimento de que as políticas não são meramente implementadas, mas recriadas, reinterpretadas e recontextualizadas no contexto da prática. Espera-se como resultado desta investigação fomentar a participação da comunidade escolar na atuação das políticas públicas educacionais, de forma a contribuir para a efetivação da gestão democrática nos espaços escolares.

Esta pesquisa realizou um estudo entre os estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, Campus Eunápolis, quanto à compreensão deles em relação à Política de Assistência Estudantil. O universo da pesquisa foi constituído por estudantes que participaram da seleção do Programa de Assistência e Apoio ao Estudante (PAAE) em 2019. Neste ano, foram 527 distribuídos entre as três modalidades de ensino do Campus (Ensino médio Integrado, Ensino médio Subsequente e Ensino Superior) que passaram pela análise da assistente social, e desses, 389 foram contemplados e 138 não contemplados. Considerando a complexidade de uma pesquisa qualitativa, delimitei como amostra, seis estudantes por modalidade, totalizando 18, entre contemplados e não contemplados na seleção de 2019. Tem como objetivo geral analisar a compreensão dos discentes do IFBA Campus Eunápolis acerca da Política de Assistência Estudantil. O problema investigado foi qual seria a compreensão dos discentes do IFBA Campus Eunápolis, enquanto sujeitos de direitos, quanto à Política de Assistência Estudantil? E como as expressões da questão social por eles vividas podem influenciar nessa compreensão? Quanto à abordagem, esta pesquisa é caracterizada como qualitativa, quanto aos objetivos como exploratória e descritiva. Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos diferentes: o questionário e as entrevistas em grupo separadas por modalidades de Ensino que ocorreram virtualmente através de um aplicativo de videoconferência, o Google Meet e foram direcionadas por um roteiro de entrevista semiestruturado. A análise dos dados foi realizada nos dois últimos capítulos, considerando a operacionalização do método hermenêutico-dialético de Minayo (2002) que compreendeu a ordenação dos dados, que é o mapeamento dos dados coletados, a classificação dos dados e posterior categorização e, por fim, a análise final, momento de articulação dos resultados com o referencial teórico. Diante disso, os resultados mostraram uma compreensão da assistência estudantil em seu imediatismo e a partir das necessidades de sobrevivências individuais, refletindo a realidade brasileira quanto às Políticas Sociais.

As bibliotecas pessoais costumam representar a extensão da memória e do pensamento do seu proprietário. Partindo desse pressuposto, este trabalho pretende construir uma biografia da biblioteca de Roberto Albergaria de Oliveira (1950-2015), antropólogo, professor e comunicador e ao fazê-lo encontrar no seu acervo bibliográfico, elementos que evidenciem também o processo de construção do intelectual que nasce com sua b iblioteca. Nesse contexto, a pesquisa tem por objetivo divulgar o trabalho e o acervo bibliográfico do Professor Albergaria bem como destacar a suas contribuições para a compreensão da Bahia tal como ele a concebeu, real e livre dos estereótipos, bem como para a história da antropologia baiana em especial para a antropologia urbana.

As praças públicas são espaços fundamentais de vivência social e exercício de cidadania, as formas pelas quais são produzidas e apropriadas refletem a complexidade das relações entre os diversos agentes que produzem o espaço urbano. Nessa perspectiva, foi realizada a pesquisa sobre o comércio no espaço público, tendo como referencial empírico as praças da Bandeira e do Relógio no centro da cidade de Porto Seguro, Bahia. O objetivo deste trabalho foi compreender de que forma o circuito econômico do turismo se relaciona com o processo de (re)produção dos espaços públicos na cidade de Porto Seguro-Bahia. Para sistematizar o trabalho foram utilizados os conceitos de espaço público, turismo e circuitos econômicos. A metodologia sustentou-se em pesquisa teórica e estatística em bancos de dados secundários, observação em campo e aplicação de questionários aos comerciantes que atuam nas praças e em seus entornos. Este trabalho possibilitou a constatação do processo de fragmentação e apropriação das praças públicas pelo turismo em detrimento da população local concluindo que os circuitos da economia urbana, nos quais o turismo em Porto Seguro se insere, estruturam-se de forma a influenciar os arranjos espaciais a partir do acúmulo de técnicas, e concentração ou dispersão de bens e serviços, o que resulta na criação de espaços privilegiados e de conflitos em torno destes.

 O conteúdo discursivo desse trabalho, enquanto pesquisa participante, volta- se para uma visão não hegemônica e não cartesiana na postulação de conhecimentos. Seu significado é a crítica à ciência moderna, que em seus desdobramentos, não apenas invisibiliza, mas também inviabiliza a afirmação das consciências individuais e coletivas que formam outros processos de ensinar e aprender, projetando, por conseguinte, sobre culturas e povos tradicionais a ideia de um conhecimento anacrônico, estático e por vezes obsoleto. Tratando-se, portanto, de um olhar sobre a possibilidade de uma prática pedagógica milenar tradicional que transmite conhecimento por meio da oralidade e do saber-fazer local. Busca-se uma episteme particular no devir - “Afroindígena”, costumes pesqueiros e organizações sociais herdados dos nativos brasileiros e expressões culturais herdadas das tradições africanas, e nesse sentido fortalecer a garantia de proteção Constitucional Brasileira dos Conhecimentos Tradicionais do Decreto nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007. A presente pesquisa busca compreender quais as possíveis contribuições socioculturais do ecossistema manguezal no processo de construção dos saberes tradicionais pesqueiros da comunidade ribeirinha Tapera e Miringaba na Reserva Extrativista do Cassurubá/Caravelas/Bahia/Brasil. Para tanto, foram selecionados relatórios do plano de manejo como fonte de informações com a RESEX, o Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste – CEPENE, a Colônia de Pescadores Z-25 e associações de moradores e marisqueiros. Os parceiros dessa pesquisa estão divididos entre dois grupos, sendo eles: Grupo (α): Pescadores e Marisqueiros acima de 45 anos. Grupo (β): Artistas e Lideranças Populares. Para ambos os grupos foram realizadas entrevistassemiestruturadas em roda de conversa e uma imersão de dois dias e uma noite com destaque para reconhecimento socioambiental do território ribeirinho, além do acompanhamento das brincadeiras Nagô e Tupinambás, festejo de Yemanjá e desfile de carnaval entre 2019 e 2022.

Neste trabalho de pesquisa proponho conhecer e refletir sobre a educação escolar indígena e a educação intercultural a partir das experiências relacionadas à Escola Indígena Pataxó em Boca da Mata. Como metodologia de trabalho, busco construir uma pesquisa de viés participativo, inspirado em experiências da pesquisa participante no Brasil e em outros países da América Latina. Sobre o processo de construção da educação escolar indígena em Boca da Mata, foi enfatizado o desejo da comunidade de construir a escola e conduzir os processos educacionais para que as novas gerações pudessem estudar na própria aldeia. Neste momento, podemos acompanhar algumas situações fundamentais como a contratação e o envio de professores à comunidade, a ampliação na oferta do ensino na Educação Básica, a formação de professores indígenas e o ensino da língua e da cultura indígena em contexto escolar. Os temas relacionados a formação da escola indígena na aldeia Boca da Mata aparecem diretamente relacionados às lutas territoriais dos Pataxó na região de Barra Velha e Monte Pascoal. Neste momento entra em destaque a presença das famílias no território e a luta pelo direito sobre estes espaços. Estas questões são trazidas a partir de quatro percursos biográficos que nos levam a conceber a importância dos vínculos familiares e ancestrais Pataxó no território, marcados por deslocamentos e fixação dessas famílias em locais tradicionalmente ocupados. Deste modo, somos levados a conceber a dinâmica socioespacial dos Pataxó no extremo sul da Bahia e o papel atribuído à escola indígena para a organização e sustentabilidade do grupo étnico no território em seu contexto nacional e local. Procuro assim, partir de experiências mais contextualizadas para se aprender sobre a educação escolar indígena e a educação intercultural em nossos dias. Em Boca da Mata, uma parte significativa destes debates, experiências e aprendizados foram constituídos na prática, na luta pela ampliação na oferta da Educação Básica na comunidade e nos momentos de formação de professores e lideranças para o magistério indígena. Nestes espaços os professores e lideranças indígenas puderam debater e propor ações relacionadas à oferta da educação escolar na comunidade em diálogo com os interesses locais e os temas orientadores da educação escolar indígena no âmbito normativo, como a especificidade, a interculturalidade e o bilinguismo. Muitas das iniciativas apresentadas sobre o percurso da educação escolar indígena em Boca da Mata, aconteceram no contexto de relações com outras escolas Pataxó, e em consonância com questões conjuntas a outros povos indígenas que lutam, igualmente, por melhores condições para a educação escolar indígena, especialmente no estado da Bahia. Assim, busco apresentar o sentido da interculturalidade a partir das experiências com a educação escolar indígena na comunidade, para, por fim, discutir o potencial dos professores indígenas para a efetivação da educação intercultural no contexto das escolas não indígenas no país, como previsto na Lei 11.645 de 2008 em que determina o ensino de história e cultura indígena na educação básica brasileira.

O Brasil é constitucionalmente, um Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos basilares são a dignidade da pessoa humana e a cidadania. Após a Constituição Federal de 1988, a ordem jurídica brasileira passa a apresentar um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, expressamente previstos no texto da Lei Maior. O objetivo fundamental é a construção de um sociedade isonômica, justa e solidária. Apesar dos objetivos e fundamentos expressos na Carta magna, na prática, a sociedade brasileira é recortada por desigualdades e negações de direitos, a determinados grupos e coletividades. Forjada, em uma estrutura racista e patriarcal, o ordenamento jurídico brasileiro, ainda, não concretizou na realidade social, os preceitos e fundamentos constitucionais, que atuam até o presente, como mera retórica discursiva. É Visando compreender o hiato, e a distância existente entre os valores constitucionais e a realidade social em nosso país, que se faz emergente, a construção de pesquisas acadêmico-jurídicas, que analisem, os diferentes fatores que permeiem as lutas sociais e conquistas por direitos. A presente pesquisa tem como problema analisar o protagonismo das mulheres quilombolas de Helvécia no processo de luta por reconhecimento, e a importância desse ativismo como instrumento de efetivação de direitos fundamentais emancipatórios. Como objetivos a pesquisa aborda a trajetória histórica de Helvécia, desde sua origem, enquanto parte da Colônia Leopoldina, até o presente processo de luta por reconhecimento. Analisa as lutas e vivências das mulheres, a partir da categoria de análise, interseccionalidade, em seus marcadores de gênero e raça, abordando a luta por direitos políticos da mulheres quilombolas, e a importância da representatividade para a constituição de uma democracia isonômica no Brasil. Analisa ainda, o protagonismo das mulheres quilombolas, a partir da categoria de análise afrocêntrica da agência, enquanto centralidade dos sujeitos, na sociedade. E, por fim, o processo de luta e efetivação de direitos fundamentais emancipatórios na comunidade de Helvécia, conquistas e desafios. Os direitos fundamentais são compreendidos, a partir, da dimensão emancipatória de Boaventura de Sousa Santos. Como metodologia utilizo a pesquisa de campo, através de entrevistas semiestruturada, cujas sujeitas participantes são quatro mulheres da Associação Quilombola de Helvécia (AQH), utilizo também, a pesquisa bibliográfica, afrorreferenciada, precipuamente, com autoras e autores negros, e ainda pesquisas acadêmico-científicas realizadas em quilombos brasileiros. Toda a pesquisa é permeada pela epistemologia feminista negra, e suas principais categorias de análises, tais como oralidade, Iugar social, interseccionalidade, entre outras. Compreender o processo de luta por reconhecimento e efetivação de direitos na comunidade de Helvécia, e o protagonismo das mulheres nessa trajetória, a partir de uma epistemologia feminista negra, mostra-se importante, enquanto postura científica. O Brasil, ainda é um país recortado pelo racismo e sexismo estrutural, e nesse contexto, estudos e pesquisas, a partir de olhares e lugares, diferentes daqueles pertencentes aos grupos hegemônicos, possui relevância acadêmica, científica, jurídica e social, no processo de enfrentamento ao racismo e sexismo, rumo a construção de uma sociedade mais justa, isonômica e plural.

A violência obstétrica é um fenômeno atual e polêmico que tem sido debatido no mundo todo, no âmbito social, científico e político. A participação social das mulheres na esfera pública tem sido uma via importante de enfrentamento à violência obstétrica quando atrelada à ações que visam a indução da agenda de humanização das políticas públicas de saúde materno-infantil. O presente estudo parte da pesquisa social para analisar o fenômeno e seu enfrentamento no contexto de atenção à saúde obstétrica marcada por atos de violência e privação dos direitos reprodutivos das mulheres. O estudo se vale de uma experiência local e atual de ação política protagonizada por um Coletivo de Mulheres na região Extremo-Sul do estado da Bahia. Os fundamentos de análise situam-se no campo da pesquisa social participativa, conduzida a partir de um estudo de caso que foi orientado pelos pressupostos da Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory), criada em em 1965 pelos sociólogos norte-americanos Anselm Strauss e Barney Glaser. O recorte temporal para coleta e análise dos dados contemplou o período dos anos de 2017 a 2020. Foram aplicadas as seguintes técnicas de coleta de dados: análise documental; análise de diário de campo; entrevistas semi-estruturadas e questionário online. As participantes do estudo foram as ativistas do Coletivo de Mulheres e algumas das principais interlocutoras representantes dos serviços e instituições de saúde nos espaços de gestão da política nacional de saúde maternoinfantil Rede Cegonha. A análise dos dados e da experiência foi realizada a partir da revisão da literatura conforme as diretrizes da Teoria Fundamentada nos Dados, tendo sido muito importantes o método da História Oral Temática e a classificação de maus-tratos no nascimento de Bohren e colaboradores. A tese apresenta-se em seis capítulos. Nos capítulos um e dois são apresentadas as referências teóricas que orientaram o processo de investigação, sendo tratada a violência obstétrica como conceito no capítulo um e a participação social no capítulo dois. No capítulo três apresentam-se os pressupostos teórico metodológicos e o percurso da pesquisa, com destaque para a implicação da pesquisadora, as características do campo e das participantes do estudo e os objetivos e hipóteses de onde partiram a pesquisa. Nos capítulos quatro, cinco e seis aprofunda-se o estudo de caso exploratório. No capítulo quatro encontra-se o histórico de criação do Coletivo de Mulheres e aspectos que explicam a relação do Coletivo com a violência obstétrica na região. São analisados os relatos de violência obstétrica a partir da terminologia de Bohren e apresentados as consequências destas violências para a vida das mulheres, bem como o que acontece no Coletivo a partir do acolhimento dos relatos das vítimas. No capítulo cinco apresenta-se o histórico de ações desenvolvidas de 2017 a 2020, colocando em análise o próprio modo com que o Coletivo lida com a violência obstétrica e com a esfera pública, representada, principalmente, pelos espaços de participação e controle social no âmbito do SUS e da política Rede Cegonha. São analisados os obstáculos e os avanços percebidos no processo de transição paradigmática impulsionado na região, incluindo uma reflexão sobre o impacto da pandemia de covid-19. No capítulo seis analisa-se, especificamente, as lacunas sobre aborto no debate da violência obstétrica, propondo um consenso que integre os dois fenômenos. Conclui-se que as políticas públicas com sua arquitetura de participação social favoreceu a visibilidade para a problemática da violência obstétrica e o diálogo entre Estado e Sociedade, porém, a ausência dos médicos obstetras e dos gestores que tomam decisões estruturais, bem como do Ministério Público, dificultaram que as mudanças estruturais necessárias à conformação da rede e do cuidado humanizado acontecessem na região.

A presente tese consiste em um desafio de pesquisa focado na análise do processo de implementação de um projeto inovador de instituição federal de ensino superior, a Universidade Federal do Sul da Bahia, ousada em seu desenho acadêmico, administrativo e pedagógico, no período de 2013 a 2017. Para tanto, inicialmente, foram buscadas as lentes dos estudos de implementação de políticas públicas e, mais adiante, a revisão histórica das iniciativas inovadoras nas universidades brasileiras, suas resistências e resultados. Agregando a perspectiva das emoções na busca de novas racionalidades para mais possibilidades de compreensão do processo, foram adicionados os conceitos de reconhecimento e menosprezo. Através da metodologia combinada de revisão de literatura e a realização de entrevistas em profundidade, na escuta ativa de testemunhas privilegiadas do processo, atores implementadores, foi possível definir a hipótese que a coesão do início da implementação foi impulsionada pelo autorreconhecimento mútuo, no esforço de todes para que o projeto desse certo, e que, na medida da sua operacionalização, a implementação por desconsiderar detalhes dos contextos concretos, apresentou entraves, incongruências práticas, que, como inflexões, foram capazes de gerar efeitos imprevistos, indesejados e até perversos, tensionamentos e dores, que, muitas vezes não acolhidas, geraram diversas reações nos sujeitos, do abandono do projeto até a resistência, individual e coletiva, manifestando movimentos de luta por reconhecimento, por sua vez, potencializadores de conflitos e perda crescente da capacidade coletiva de diálogo, ensejando rupturas e descontinuidades. O estudo apresenta assim contribuições para a diversificação das análises de implementação de políticas públicas e para a reflexão sobre os processos vividos na Universidade Federal do Sul da Bahia no recorte temporal definido.

A temática relativa aos espaços físicos da educação infantil vem ganhando, nos últimos 20 anos, a atenção de educadores, historiadores, arquitetos e psicólogos. No Brasil, há políticas públicas nacionais e municipais que orientam como esses espaços devem ser constituídos. A presente pesquisa se insere no campo das políticas públicas educacionais e tem como foco de analise atuação da política de educação infantil que estabelece as especificidades dos espaços físicos destinados à educação de crianças de zero a seis anos. Apoia-se no referencial teórico-analítico da Abordagem do Ciclo de Políticas formulado pelos teóricos Stephen Ball e Richard Bowe. A análise da política parte do contexto da influência, na construção da Política Nacional da Educação Infantil, passando pelo contexto da produção do texto a nível nacional e local, por fim, focando no contexto da prática, ou seja, analisando a atuação da política em questão, na realidade dos Centros de Educação Infantil do município de Itamaraju, BA. O projeto está integrado à Linha de Pesquisa Sociedade, Cultura e Ambiente do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da Bahia. Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, que envolveu múltiplos procedimentos de coletas de dados e que ocorreu em duas etapas: Etapa documental e Etapa de campo. Na etapa documental foi realizado um levantamento de artigos e livros que permitiram identificar os condicionantes sociais e políticos que influenciaram a formulação da política pública nacional da educação infantil. Nessa etapa também foi feita uma análise do contexto da produção do texto da política nacional que trata dos espaços físicos das instituições infantis e dos documentos locais como decretos, pareceres, manuais, Projetos Políticos Pedagógicos e atas de resultados finais que também abordam o tema. Na etapa de campo, contexto da prática da política, participaram 27 sujeitos, sendo 21 provenientes de sete Centros de Educação Infantil e seis agentes dos órgãos públicos, de controle social e da Câmara de Vereadores do município. Os 21 participantes (07 gestoras e 14 educadoras) dos Centros de Educação Infantil responderam a um questionário eletrônico com questões fechadas. Com os seis agentes públicos (1 representante da secretaria de educação, 1 representante da secretária de obras, 2 representantes do Conselho Municipal de Educação e 2 representantes da Câmara de Vereadores) foram conduzidas entrevistas a partir de um roteiro estruturado. Ainda na etapa de campo foram realizadas visitas aos Centros de Educação Infantil para reconhecimento e descrição dos seus espaços. Os dados dos questionários eletrônicos foram tratados por meio de estatística descritiva, com a apresentação das frequências absolutas das respostas dadas pelas participantes. Concluiu-se que, no contexto de prática, está criada uma realidade constituída de Centros de Educação Infantil que apresentam, em mais de 80% dos casos, espaços que não estão condizentes com a política nacional e local de normas técnicas. Há também sugestões de uma prática centralizadora e autoritária nos processos de elaboração da política local e na tomada de decisões sobre as construções do município, haja vista que não foi constituída equipe multidisciplinar para garantir o processo de escuta coletiva.  Além disso, a câmara de vereadores e o Conselho Municipal de Educação têm deixado de atuar como elementos fiscalizadores. Finalmente, entre os autores da política da administração direta entrevistados, foi observado sinais de resistência em relação ao imperativo de fazer cumprir a legislação. Essa resistência pode estar sustentada em diversas justificativas, tanto políticas como financeiras/econômicas, dada a quase a inexistência de recursos da união para ações de construção e reformas dentro da política de educação infantil até a presente data. Espera-se, como resultados desta investigação influenciar políticas públicas locais de modo que promovam a transformação dos espaços físicos destinados à educação infantil do município, respeitando as especificidades e necessidades de seus usuários, e contribuindo para o seu desenvolvimento integral.

Nos últimos 20 anos, a agricultura familiar experimentou um crescimento da sua representatividade na agenda pública, protagonizando movimentos voltados ao reconhecimento de direitos e de políticas públicas diferenciadas para o desenvolvimento rural. Neste contexto, o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE foi reorientado a partir da perspectiva intersetorial de segurança alimentar e nutricional, aproximando a alimentação escolar da produção agrícola familiar. As normativas do PNAE previram novos instrumentos para aquisição da alimentação escolar, e a principal inovação foi a destinação obrigatória de 30% dos recursos públicos para compra da alimentação escolar junto aos agricultores familiares. Os conceitos de Agricultura Familiar, Políticas Públicas e Liberdades/Capacidades foram relacionados com aporte no conteúdo das Liberdades Instrumentais componentes da Teoria do Desenvolvimento como Liberdade do economista Amartya Sen. Esta tese teve como objetivo analisar se a alteração da política pública do PNAE, em 2009, fomentou a criação de instrumentos e espaços de ampliação de liberdades para os agricultores familiares. Especificamente, os objetivos foram: contextualizar a reformulação do PNAE a partir do encontro entre alimentação escolar e agricultura familiar; identificar os instrumentos e mecanismos gerados a partir da reorientação do PNAE; analisar o conteúdo das novas determinações e diretrizes da política e os respectivos instrumentos relacionados à agricultura familiar, baseado no referencial das liberdades instrumentais; analisar o conteúdo de quatro casos de implementação local do PNAE para aquisição de produtos com a agricultura familiar com base no referencial das liberdades instrumentais. A estratégia de investigação foi delineada por uma abordagem qualitativa e elegeu a pesquisa documental como principal método de pesquisa, complementado pela pesquisa bibliográfica. A teoria das Liberdades Instrumentais foi acionada enquanto referencial de análise de políticas públicas, suplementada pelas discussões de contexto global de Milton Santos e pelas abordagens do Ciclo da Política Pública e da Instrumentação da Ação Pública. Nesta conformação teórico-metodológica foram analisados documentos relativos ao PNAE: legislações, normativas, manuais, relatórios de avaliação, teses, dissertações e artigos que trataram da relação entre o PNAE e a agricultura familiar. O estudo apontou que o processo histórico de reformulação do PNAE foi caracterizado pela permeabilidade estatal à participação social e política dos representantes dos grupos da segurança alimentar e nutricional e da agricultura familiar, dando um novo sentido à política. No entanto, existiram também movimentos contrários defensores dos interesses da indústria de alimentos processados e de terceirização dos serviços de alimentação escolar. Os instrumentos criados – Lei 11.947/2009 e resoluções, destinação dos 30%, Chamada Pública (dispensa de licitação), cardápios, definição de preços, Conselho de Alimentação Escolar e exigência da Declaração de Aptidão ao PRONAF – em alguma medida conseguiram refletir o exercício das Liberdades Políticas, das Facilidades Econômicas, das Oportunidades Sociais, das Garantias de Transparência e da Segurança Protetora. O PNAE foi reestruturado a partir de um amplo processo participativo, estabeleceu a oportunidade de acesso ao mercado para os agricultores familiares, estimulou a geração de renda e de novas garantias sociais e previu os controles institucionais e sociais como ferramentas de monitoramento. Diante destes achados, concluiu-se que a reorientação do PNAE criou espaços de ampliação das liberdades instrumentais dos agricultores familiares, mas ainda existem limitações no processo de implementação que precisam ser sanadas para ratificar o papel do PNAE enquanto política indutora do Desenvolvimento como Liberdade.

Esta pesquisa investiga as interações sociais de não surdos com surdos na cidade de Porto Seguro/BA, Brasil. São elas, culturalmente, deficientes ou diferentes? A resposta está ligada ao ponto de vista adotado sobre a pessoa surda e se revela no desenrolar destes acontecimentos no cotidiano. O estudo parte das duas perspectivas sobre os indivíduos com surdez que mais se destacam na atualidade: a da deficiência e a da diferença. Considera os debates contemporâneos em torno da surdez e dos com surdez (1) dispondo os pilares que sustentam os pontos de vista da deficiência e da diferença, (2) discorrendo sobre a importância da língua de sinais nas interações linguísticas, sociais e culturais dos surdos e (3) destacando as principais barreiras às interações sociais de não surdos com surdos. Posteriormente, descreve as interações sociais cotidianas de moradores surdos com os não surdos em cenários de constantes trocas no mundo social, como no ambiente familiar, na instituição de ensino, no local de trabalho e em estabelecimentos locais, públicos ou privados. Em seguida, considerando estas ocorrências, analisa: (1) as recepções experimentadas pelos surdos, (2) as estratégias de comunicação adotadas pelos surdos e não surdos, (3) e as percepções dos entrevistados sobre suas vivências com não surdos na localidade. Na conclusão, a presente investigação verificou que os não surdos agem com desconhecimento ou conhecimento parcial das singularidades culturais dos surdos. É um exame qualitativo, aplicado e exploratório, ancorando no campo dos Estudos Surdos, viés dos Estudos Culturais.

Este trabalho teve como objetivo compreender as distintas formas de menosprezo presentes nas experiências de violência obstétrica vividas por integrantes do Fórum da Rede Cegonha da região de Porto Seguro. Para tal, o estudo descreve os diferentes tipos de violência obstétrica identificadas pelas participantes; levanta os fatores que contribuem para violência obstétrica na região de Porto Seguro; assim como identifica as emoções subjacentes à experiência de menosprezo e analisa as motivações e significações associadas à participação no fórum, descrevendo a forma como este se relaciona com a experiência violenta. O Fórum RC se constitui como importante espaço de participação social onde se reúne sociedade civil e Estado com o objetivo de debater e transformar a atenção perinatal à mãe e à criança, visando um parto humanizado e seguro, assim como nascimento saudável do bebê. Trata-se de um estudo de caso qualitativo, dentro do qual foram utilizados como instrumentos de pesquisa: observação participante, análise documental das atas e apresentações dos fóruns, no período de 12 encontros, de agosto de 2018 a dezembro de 2019, assim como de um vídeo elaborado por mulheres da região e entrevistas semiestruturadas realizadas através do Google Meet, com mulheres participantes do Fórum. O estudo tomou como referência teórica os tipos de violência obstétrica de Boswer e Hill e a teoria do reconhecimento intersubjetivo de Axel Honneth para analisar as experiências de menosprezo relatadas pelas participantes. As entrevistas foram codificadas com base na proposta de Gibbs de análise de narrativas, enquanto as atas foram analisadas tomando como referência a categorização temática de Bardin. Os resultados evidenciaram que gestantes e puérperas da região sofreram variados tipos de violência obstétrica e que fatores estruturais, organizacionais e o habitus construído entre os profissionais de saúde, contribuem para ocorrência das violências obstétricas, sendo necessário investimentos para erradicar essa grave problemática. As distintas formas de violência obstétrica são percebidas como formas de desrespeito; tentativas intencionais de ferir a integridade pessoal que produzem danos morais. A experiência de violência obstétrica associam a gestação, parto e pós parto a emoções como tristeza, medo, frustação, revolta, dentre outras. Esta experiência emocional pode mobilizar e motivar as mulheres para realizar ações coletivas, entre elas a participação no Fórum RC, orientadas à transformação de tais práticas de violência. A participação social contribui para a ressignificação de suas experiências e emoções, ampliação de sua potência e empoderamento para o combate à violência obstétrica. Finalmente, o trabalho indica que Fórum possui um papel que interfere de forma positiva nos fatores que contribuem na prevenção da violência obstétrica na rede de atenção do território.

O tema deste estudo é a formação de um povo quilombola desde a chegada de seu fundador Anjo Barros, junto com sua família, na terra do Pratigi (Camamu-BA), até os dias de hoje. A vista disso, o objetivo deste trabalho é compreender o que constitui o povo do Pratigi; o que faz os pratigiense serem o que eles são e o que mantem eles sendo o que eles são. Para tanto, esta dissertação buscou investigar três diferentes processos de formação coletiva que compõem o Pratigi e sua história. Começo analisando o percurso dos Barros até a chegada na terra pratigiense e o processo de inscrição das memórias dos antigos na paisagem territorial, como também as dinâmicas de divisões dessas terras em núcleos territoriais, sob a autoridade de Anjo Barros e após sua morte. Em seguida, observo como a festa do padroeiro Santo Antônio serve como fomentadora de alianças políticas entre os moradores do Pratigi e destes com atores externos, formando desse modo, um circuito de festas. Isto posto, intento analisar como esta festa define os diferentes lados, as alianças, as cisões, posicionamentos políticos, e como também fortalece uns enquanto enfraquece outros politicamente? Por fim, aborda-se a demanda pelo reconhecimento do território quilombola e as estratégias de defesa deste contra possíveis ameaças atuais tendo como um dos protagonistas políticos a Associação dos Remanescentes Quilombola do Pratigi e Matapera-ARQPM.

O presente trabalho tem por objetivo analisar a implementação da accountability em portais eletrônicos do executivo municipal, identificando as contribuições da prestação de contas no meio eletrônico para o fortalecimento da democracia e para a promoção de uma cidadania ativa. Para tanto foi realizada uma pesquisa em portais web de cinco prefeituras do interior da Bahia: Itabuna, Ilhéus, Teixeira de Freitas, Porto Seguro e Eunápolis. Estas foram selecionadas considerando a localização geográfica e aspectos demográficos e econômicos. A coleta de dados ocorreu através de Formulário de Observação, com o objetivo de verificar a qualidade dos dados (relevância e clareza na informação) e a facilidade de acesso (layout com links objetivos). Também foram utilizados os Relatórios de Pedidos disponibilizados pelas próprias prefeituras, a fim de verificar o índice de participação popular. Averiguar a suficiência da prestação de contas para o exercício de uma cidadania ativa é relevante para o estudo da democracia no Brasil, pois possibilita uma visão crítica sobre os instrumentos estatais e sua adequação às características da sociedade brasileira.

O quadro alarmante em que se encontra o meio ambiente natural torna necessária a implementação de medidas ambientais de proteção. O modelo de desenvolvimento que se instaura, notadamente, no pós-guerra, utiliza dos recursos sem qualquer alocação de seu custo no processo produtivo, desconsiderando a finitude dos bens naturais. Nesse contexto, uma mudança de perspectiva é necessária para a sobrevivência de vida humana no planeta. Com isso, o presente trabalho volta-se aos instrumentos jurídicoeconômicos frequentemente ventilados como forma de proteger o meio ambiente, a partir da internalização dos custos sociais decorrentes do processo produtivo. A tributação ambiental pelo seu viés extrafiscal, enquanto norma indutora de comportamento, se apresenta como instrumento eficaz na proteção ambiental. Assim, é necessário repensar a forma como estes instrumentos estão dispostos a servir a sustentabilidade em seus caráter multidimensional, contemplando suas dimensões jurídico-política, econômica, ética e social. Optou-se por uma pesquisa qualitativa, apoiando-se no método dedutivo e em um estudo de ordem exploratória, a partir de levantamento bibliográfico, a fim de revelar como a proteção do meio ambiente foi estruturada sob diretrizes de ordem econômica, discutindo os reflexos jurídicos desse processo, notadamente na construção das bases históricas e teóricas que respaldam os instrumentos econômico-tributários voltados à proteção ambiental. Apresenta uma abordagem pelo viés ético e de justiça, ressaltando a necessidade de que a pauta ambiental passe por direitos sociais básicos e um modelo de Estado que contemple estes direitos. Com isso, as relações e tensionamentos entre os conceitos corroboram para a construção de uma nova racionalidade ambiental, servindo de critério para elaboração de instrumentos jurídicotributários hábeis a incentivar práticas sustentáveis e desestimular condutas que causem degradação ao meio ambiente. Os instrumentos econômicos que existem até hoje, incluindo a tributação ambiental, são apenas um dos meios para alcançar a sustentabilidade. É necessário que haja uma mudança valorativa capaz de trazer mudanças mais significativas e concretas, a partir de políticas públicas ambientais, condicionadas a premissas éticas e sociais, que enfrentem a crise ecológica de forma abrangente e multidimensional.

A Educação Especial no município de Eunápolis – Bahia se fortaleceu com a criação do Centro de Atendimento Educacional Especializado em 2013 e, em 2015, foi inserido, por meio de concurso público, a figura do monitor (profissional de apoio) como suporte à educação e à assistência dos estudantes com deficiência em suas necessidades básicas. Com a presença deste novo ator na rede municipal de educação, pergunta-se, qual o lugar e o papel da monitoria na rede de apoio voltada à inclusão de estudantes com deficiência nas escolas regulares do município de Eunápolis - BA? Quais são as potencialidades e os limites do exercício profissional da monitoria? Assim, esta pesquisa busca compreender o papel da monitoria na construção de estratégias que favoreçam a inclusão dos estudantes com deficiência no município de Eunápolis. É uma pesquisa qualitativa de caráter exploratória, um estudo inicial, de base, da qual participaram quatro profissionais que atuam na monitoria. Para os procedimentos de coletas de dados, utilizou-se entrevistas semiestruturadas e questionários para a identificação do perfil dos monitores. Fez-se um roteiro flexível para as entrevistas, que foi apreciado por uma juíza e por um grupo de mestrandos e doutorandos, e os dados obtidos foram transcritos e submetidos a análise de conteúdo. Diante do cenário de pandemia, as entrevistas foram realizadas de forma virtual, através da plataforma Google Meet e os questionários pelo Google Forms. Os resultados evidenciaram que a presença do monitor como suporte no ambiente escolar foi positivo, trouxe maior segurança aos pais, fortaleceu a educação inclusiva e corroborou para a permanência do aluno com deficiência na escola regular de ensino; revelou também que não houve uma qualificação para exercer a monitoria, apenas reuniões superficiais sobre suas atribuições; o número de salas com recurso multifuncional ainda é muito reduzido, logo, falta profissionais qualificados no atendimento ao aluno com deficiência; sendo a falta de capacitação a queixa mais frequente dos profissionais monitores. Espera-se que os resultados da pesquisa, das percepções dos profissionais da monitoria tragam contribuições para a educação inclusiva no município; possibilite ampliar o olhar sobre o tema; seja relevante para a Secretaria Municipal de Educação – SEDUC, enquanto dados das necessidades educacionais evidenciados; propiciar reflexão aos monitores participantes sobre suas práticas e que suas percepções favoreçam o fortalecimento da educação inclusiva e tragam novas diretrizes e possibilidades.

A trajetória histórico-social da língua de sinais e da educação dos surdos sempre foi marcada pela forma dialética da concepção de homem e de cidadania ao longo da história. Por muito tempo, os surdos são marginalizados e sem acesso aos seus direitos constitucionais, pois, devido as diferenças culturais e linguísticas, não foram e ainda não são devidamente reconhecidas pela comunidade fonocêntrica. No Brasil, o grande passo a favor dos usuários de língua de sinais, foi o reconhecimento oficial de seu idioma: a Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, oficializando a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. No entanto, mesmo a Libras tendo o reconhecimento federal como meio legal de comunicação e expressão de seus utentes e, com a ampliação legislativa por meio de decretos e outras leis que corroboram sua obrigatoriedade em espaços públicos, em especial os educativos, ainda assim, essa língua é desconhecida e marginalizada pelos falantes do Português oral. Diante da legalidade da Libras a partir de 2002, faz-se necessário evidenciar as ações de políticas públicas escolares e as práticas de participação social a favor das comunidades surdas inseridas no município de Eunápolis – BA desde então. Também, é preciso identificar quais as ações de políticas públicas desenvolvidas em função desta lei, pela prefeitura municipal de Eunápolis; constatar quem são os grupos de atuações sociais a favor das comunidades surdas do município; e descrever as ações e impactos desses empenhos inclusivos para os indivíduos surdos residentes em Eunápolis. Para tanto, a presente pesquisa, de natureza básica, reuniu conhecimentos diversos, com o propósito de preencher possíveis lacunas sobre o tema em questão, expondo os fenômenos e as mudanças ocorridas para os sujeitos surdos ao longo de suas relações sociais em vários espaços temporais. Por se tratar de um exame em que expõe as variedades das relações interpessoais e os problemas que delas eclodem nas áreas humanas e sociais, foi escolhida a abordagem qualitativa. Quanto ao tratamento e exame dos dados coletados, esses processos se deram baseado nas técnicas de revisão e análise de dados a teoria de análise de conteúdo. Utilizou-se dos métodos de procedimentos exploratórios e descritivos, com as técnicas de pesquisas bibliográficas, documentais, pesquisas de campo, entrevistas, aplicação de questionários e observações simples. Com postulados de autores como: Brito (2013); Góes; Laplane (2013); Karnopp; Quadros (2004); Mazzotta (2011); Quadros (1997; 2004); Pereira (2011); Sacks (1998); Silva (2009); Silva (2012); Skiliar (2013); Strobel (2018), entre outros

Esta pesquisa é realizada por meio da construção de uma sutura envolvendo os estudos realizados por Foucault e os estudos sobre Universidade com ênfase nos/nas servidores/as trabalhadores/as Técnico-Administrativos/as em Educação (TAE), tendo como objetivo principal analisar os agenciamentos dos modos com que nos tornamos sujeitos TAE no interior das Universidades. Elencamos como objetivos específicos: a) compreender como os dispositivos legais e jurídicos vão criando e estabelecendo papéis e posições no interior das Instituições de Ensino Superior; b) estudar o processo de burocratização e disciplinamento das Universidades e a formação de uma categoria para desenvolvimento de atividades-meio; c) entender os conflitos e disputas contemporâneas e neoliberais nas formas de atuar dos/das Técnico-Administrativos/as em Educação. Para tal, utilizamos a arqueogenealogia como precaução metodológica. A arqueologia se propõe a analisar as fissuras disruptivas do campo discursivo nas teias do saber-poder, a genealogia auxilia as análises das junturas do saber enquanto dispositivo de poder, e a arqueogenealogia nos permite compreender as dobras das relações de força no processo de constituição dos agenciamentos. A pesquisa produziu como resultado a constituição dos agenciamentos do trabalho por modos distintos de governo na produção de três cisões, a saber: agenciamento a partir de uma economia política do poder de educar no governo dos ofícios e nas primeiras criações de cargos nas Instituições de Ensino Superior na produção da primeira cisão - cisão entre membros e não membros; agenciamento na forma administrativa de governo em que nasce a categoria Técnico-Administrativa em Educação ao dobrar as relações de força do duplo dispositivo administrativo-disciplinar a partir da segunda cisão - cisão entre planejamento e execução; agenciamento-empresa por meio do governo em seu poder gerencial, na produção da terceira cisão com o desmembramento do corpo TAE. A arqueogenealogia dos agenciamentos permitiu-nos desnaturalizar o que somos no processo de nossa constituição: fabricação de peça por peça na emergência das condições técnicas, políticas, econômicas e sociais das formações históricas. Uma categoria tão sem história e quando nos dedicamos à produção de nossas memórias, nossa categoria já se apresenta em vias de desaparecer.

A presente pesquisa investiga o fenômeno do trabalho infanto-juvenil a partir de uma visão complexa de direitos humanos, tensionando as perspectivas universalistas e localistas que marcam a construção das noções de infância e trabalho, a partir da consideração de outras visões de mundo, os valores e subjetividades dos sujeitos diretamente envolvidos no fenômeno. O estudo baseia-se em uma visão epistemológica que compreende o complexo na análise do fenômeno social, e visa compreendê-lo em sua dimensão ecológica, também contraditória e irregular, buscando um caminho que aprofunde no entendimento das atuais categorias do tema e seus efeitos do apagamento da alteridade e pluralidades de infâncias. Ao compreender o processo não linear de construção social das infâncias, se aproxima de diferentes processos de sociabilização e confrontação que envolvem a sobrevivência de outras visões de mundo diante de uma visão hegemônica sobre a temática. Por um lado, problematiza-se os percursos globais e locais que dinamizam o tema de estudo, as discussões sobre a colonialidade do poder permeiam a crítica sobre a construção de um único ponto de vista legitimado sobre a infância. Além disso, questiona-se uma visão universalista e abstrata desta noção e a invisibilização de outras visões de mundo sobre a relação entre infância e trabalho. Por outro lado, discute-se também a insuficiência de uma perspectiva localista sobre o fenômeno, enquanto outra verdade única. Abre-se espaço para uma discussão sobre a possibilidade de construção de novas alternativas de atuação para o campo, a partir de uma visão complexa de direitos humanos, que vise uma base de generalidades compartilhadas para a proteção e promoção das pluralidades de infâncias. O objetivo geral do trabalho é compreender que contribuições os grupos envolvidos com o fenômeno do trabalho infanto-juvenil, em especial na cidade de Porto Seguro – BA, poderiam ofertar para um processo de reformulações no campo teórico e prático para a potencialização, a ampliação e o fortalecimento da rede de proteção e promoção das pluralidades de infâncias. Como objetivos específicos o estudo pretende: analisar como as noções de infância/adolescência e trabalho podem ser compreendidas a partir do paradigma da complexidade, apresentando os caminhos epistemológicos e metodológicos da pesquisa; discutir o embate das visões proibicionistas e abolicionistas do trabalho infanto-juvenil, seus reflexos nas políticas públicas que atuam no campo, e a busca por uma visão complexa de direitos humanos;  apresentar duas vivências no território de Porto Seguro – BA, o Projeto Filhos da Terra – Um despertar para a Educação Cidadã, com objetivo de oportunizar a escuta sobre possíveis experiências laborais de adolescentes entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos, moradores da região urbana, rural e indígena da cidade de Porto Seguro, extremo Sul da Bahia, no ano de 2018; e, o Projeto Infância e Trabalho: Novas Alternativas de Atuação, realizado no ano de 2019 com a rede de proteção da criança e do adolescente, executados pela instituição Instituto Mãe Terra. A proposta é relocalizar o estudo do tema a partir de uma compreensão reflexiva e transdisciplinar que une o estudo do campo teórico e experiências de campo. Para isso, a metodologia da pesquisa tem enfoque qualitativo e utiliza-se da pesquisa-ação. Como principais resultados o trabalho pode apesentar novas reflexões e discussões possíveis sobre a temática, considerando os sujeitos envolvidos e a construção de uma visão complexa sobre o fenômeno, que une proteção e promoção das múltiplas infâncias.  No campo teórico e empírico o estudo suscita novas reflexões, a partir da inclusão de outras visões de mundo, próprias dos sujeitos envolvidos no fenômeno, e aponta caminhos para a formulação de novas alternativas de atuação que permitam ampliar a efetividade da proteção de crianças e adolescentes, em seus diferentes contextos, reconhecendo os diferentes sentidos que os grupos sociais podem contribuir para a promoção das pluralidades de infâncias.

A presente tese tem como temática a construção da memória social em Arara, uma comunidade rural negra com remanescentes de quilombolas localizada em Teixeira de Freitas (BA). Para tanto, centralizo a pesquisa a partir da mediação das lembranças de velhos (BOSI, 2004) como fundamento para a compreensão da relação indivíduo, ambiente e sociedade, das significações e práticas constituídas in situ e, especificamente, do percurso de algumas das transformações sociais relacionadas à formação da comunidade no contexto do Extremo Sul baiano. Diante disso, como objetivo central, analiso os sentidos que os velhos de Arara atribuem à comunidade com fins à compreensão de suas formas de sociabilidade e representações acerca do próprio lugar. Nesta análise, das lembranças e memórias coletivas (HALBWACHS, 1990), teço versões narrativas, as quais chamo de Trilhas de Arara, e destaco a força da rememoração na reflexão sobre os processos de subjetivação dos(as) narradores(as). Por conseguinte, discuto acerca de suas representações identitárias, de determinadas relações sociais, dos modos de produção e sobrevivência. Concomitantemente, explicito distintas visões de mundo e temporalidades como forma de melhor situar a história da comunidade. Como fundamentos teóricos, valho-me de aspectos filosóficos da Memória e da História em Walter Benjamin (2018; 2015; 2013; 2012a; 2012b), de importantes intérpretes da obra benjaminiana e da filosofia narrativa de Paul Ricoeur (2012; 2010; 2007) para entendimento da produção de memória/lembrança e análise das mediações narrativo-culturais. Assim, busco confluir essas perspectivas com as reflexões da teoria pós-colonial (BHABHA, 1998; HALL, 2013) e com importantes pensadores (as) negros (as) tradicionais e contemporâneos (as) (ANDRÉ, 2008; ANJOS, 2005; FANON, 2008; GOMES, 2015; MUNANGA, 2019a; 2019b; NASCIMENTO, 2019; SANTOS, 2002), a fim interrogar as fissuras e indeterminações identitárias, socioculturais e político-econômicas. Metodologicamente, busco aproximação com a perspectiva narrativa de pesquisa (CLANDININ; CONNELLY, 2015; FLANNERY, 2015) e, a partir de entrevistas semiestruturadas e conversas em profundidade, constituo um corpus de narrativas orais, além de visitações para registros de campo, análise de fontes documentais - notadamente diários - e tratamento dos áudios e transcrições, conforme Preti (2005) e uso do software Nvivo. Os (as) memorialistas da pesquisa são 09 moradores (as) idosos (as) da comunidade, nomeadamente: sra. Eloisa, sr. Zuza, sr. Zeco, sr. Wilson, sr. Eusébio, sra. Sinéis, sra. Maria Benedita, sra. Graci e sra. Pedrina. Resultante da investigação, as trilhas tecidas constituíram uma narrativa fundadora e revelaram um amplo universo de referências que configuram as crenças, as identificações socioculturais, o pertencimento ao lugar, as táticas de articulação e resistência individuais e coletivos. Relaciono essas referências aos modos de produção exploratórios das elites rurais locais, ao longo processo de exclusão social, à ausência de políticas públicas – apenas tardia e timidamente implementadas –, à transformação da paisagem e relação ambígua com a eucaliptocultura. Aponto para a complementaridade entre as teorias sociológicas e pós-coloniais, bem como da necessidade desta última de concatenar uma conceituação própria frente à crítica epistemológica que empreende. Mostro que, na articulação entre cotidiano e história, o ser campesino é uma representação partilhada ora sobreposta pelo ser quilombola e ser mestiço como performances de uma temporalidade híbrida, assentando-se na imagem do trabalho no campo, na lógica de uso privado da terra e não propriamente na questão racial – esta apropriada por cada sujeito de forma distinta. Evidencio o processo de aquilombamento iniciado pelo resgate das origens quilombolas por parte dos velhos de Arara no bojo das fissuras e deslocamentos identitários. Por fim, chamo à atenção à consciência dos sujeitos em posicionar-se no contexto político e econômico em espaços fronteiriços, na relação com os municípios vizinhos à comunidade, tornando-se fontes fundamentais para a história local.

A Constituição Federal de 1988 consagra tanto os direitos coletivos originários dos indígenas quanto o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direitos fundamentais e cláusulas pétreas dentro da ordem jurídico-constitucional brasileira. Direitos indígenas e ambientais, contudo, entrechocam-se em antinomias aparentes no âmbito da Lei n.° 9.985/2000 que, ao instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNuc), proibiu a presença humana e a utilização direta de recursos naturais em Unidades de Conservação de Proteção Integral, sem ressalvar os direitos dos Povos da Floresta, então restringidos às Unidades de Uso Sustentável. No extremo sul da Bahia, também se visualiza tal tensão antinômica nas áreas de sobreposição dos Parques Nacionais do Monte Pascoal e do do Descobrimento, respectivamente, às Terras Indígenas Pataxó de Barra Velha do Monte Pascoal e de Comexatibá. Esta tese realiza a sistematização jurídica de todas as categorias territoriais brasileiras do indigenismo e do conservacionismo, mapeando suas características, regimes jurídicos e dados atualizados de ocupação. As autarquias ambientais, indigenistas e fundiárias litigam em disputas judiciais, que são suspensas, entre 2004 e 2015, durante a frustrada tentativa conciliatória/arbitral de solução do impasse, seguida, em 2016, por uma nova ação possessória do ICMBio que postula a extrusão dos Pataxó do interior do Parna do Descobrimento. Em 2018, é celebrado, extrajudicialmente, um termo de compromisso para estabelecer normas de convivência entre ICMBio, Funai e as seis aldeias Pataxó sobrepostas às áreas de dupla afetação entre os espaços ambiental e indígena. Este trabalho recompõe, etnograficamente, as disputas de narrativas e dos interesses por elas representados que, ao longo desses processos, conduziram os atores sociais e institucionais à gestão compartilhada do Parna do Descobrimento. Analisa também os retrocessos nas conjunturas indigenista e ambientalista, advindos das rupturas institucionais engendradas pelo golpe de Estado de 2016, que viabiliza a ascensão ao poder da extrema-direita e os consequentes aparelhamento ideológico da Administração Federal e desmonte de programas socioambientais. Promove a releitura do Direito Indigenista e do Direito da Conservação Ambiental no Brasil a partir dos paradigmas de normatividade pluriculturalista e ultra-socioambientalista. Identifica, com esteio nas teorias de decolonialidade, complexidade, ecofeminismo, epistemologias do Sul e economias indígenas, o caleidoscópio do pensamento íngora, caracterizado por táticas autóctones de subversão criativa das estratégias nacionais, que ressignificam os espaços de territorialização nos quais se encontram confinados, em uma relação simbiótica, a etnicidade Pataxó e os remanescentes de Mata Atlântica no extremo sul da Bahia. Descreve cientificamente o dever da restituição socioambiental integral, a garantia do máximo ambiental e o princípio da florestania, como fundamentos para que o Direito Socioambiental possa adquirir autonomia científica. Evidencia a falseabilidade do conflito jurídico, manipulado por narrativas que aprofundam um projeto de injustiça ambiental conduzido pelos agentes econômicos da sociedade dominante e retroalimentado pelo Estado, ao tempo em que defende o reacoplamento dos sistemas políticos e jurídicos do indigenismo e do conservacionismo para a promoção sinérgica de tecnologias jurídicas diatópicas que, ao reinventarem o complexo polifônico de relações entre as sociedades indígena, não indígena e o Estado, estabeleçam ecologias jurídicas alternativas de transformação social.

Esta pesquisa de abordagem etnográfica apresenta uma coleção de narrativas que atravessam as práticas cotidianas sociais e artefatuais que conformam o Viver Sossegado, o modo de viver do povo Pataxó, especificamente da comunidade artesã da Reserva da Jaqueira localizada na Terra Indígena Pataxó de Coroa Vermelha, Porto Seguro - Bahia. Como práticas sociais, temos a autogestão da comunidade, o trabalho coletivo para a produção de artesanato e a prática do etnoturismo, as celebrações, a educação das crianças etc. E são práticas artefatuais, tecer tucum, trabalhar o barro, esculpir madeira e coco, pintar grafismos, trançar miçangas e arte plumária. Observou-se que, muito além de mero souvenir turístico, o artesanato é uma forma de arte de rexistência. Ou seja, além de constituir a principal fonte de renda da comunidade, o artesanato é um instrumento de resistência política no contexto turístico, quando se torna etnomercadoria usada para contar histórias contra-hegemônicas e promover a cultura indígena; e, ao mesmo tempo, os adereços e grafismos corporais fortalecem seus usuários em suas lutas e reafirmam visualmente a existência da etnia perante as demais e diante da sociedade envolvente. Verificou-se, ainda, que a fabricação do artesanato promove autonomia e a autoestima dos artistas Pataxó quando aliada à atividade etnoturística autogestionada, a partir da integração da comunidade para o trabalho coletivo, além de atuar como uma espécie de celeiro onde os artistas têm a oportunidade de desenvolver suas potencialidades e são incentivados a explorar sua criatividade, seja praticando as técnicas artefatuais tradicionais que aprendem na aldeia desde a infância e a juventude, seja na apropriação de novas técnicas. Participei desse convívio a partir do convite para ensinar o macramé na aldeia da Jaqueira. A apropriação da nova técnica tem viabilizado a criação de novos adereços com materiais tradicionalmente utilizados, bem como trançar os grafismos tradicionais Pataxó. O etnoturismo é uma via para a contracolonização do território da chamada Costa do Descobrimento e para a autonomia do povo Pataxó. Nesse sentido, a retomada das técnicas artefatuais Pataxó ancestrais, na atualidade, conforma parte de um conjunto de estratégias de retomada do Viver Sossegado na Reserva da Jaqueira, movimento no qual a arte indígena é enaltecida e empregada como um dos vetores fundamentais na construção de um novo regime de memória e alteridades. O princípio basilar do viver sossegado é a luta por terra para se viver bem. É, portanto, autonomia; é o convívio e o trabalho em comunidade; é a preservação da mata; é fazer artesanato; é educar nas tradições e na cultura dos ancestrais, que seguem mais fortalecidas a cada nova geração. O direito de viver sossegado é, nesse sentido, um devir refletido na luta por direitos, que começa pela retomada de territórios tradicionais - condição fundamental para a conquista da autodeterminação dos povos originários da América Latina. 

Esta pesquisa de abordagem sócio-jurídica descreve e analisa a política migratória dos refugiados nos últimos anos no Brasil. A relevância e atualidade desta pesquisa se deve pela ocorrência nos últimos anos do maior fluxo de refugiados da história da humanidade e no Brasil. Envolve, por conseguinte, uma complexa conjuntura, reveladora da tensão entre o ingresso massivo de solicitantes da condição de refugiado e a vulnerabilidade desta diáspora. Tal situação, tem gerado crises humanitárias, violação de direitos humanos e confrontos socioeconômicos. Este conflito tem reflexo direto nas políticas públicas dos Estados, que vêm adotando medidas retaliadoras como a
crimigração e estigmatizacão dos refugiados. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é verificar o cumprimento do princípio de non-refoulement e do marco normativo internacional sobre refugiados pelo sistema jurídico brasileiro e seus atores, assim como identificar as falhas de implementação das políticas públicas de inclusão social dos refugiados para, ao final, propor a inclusão das variáveis sociológicas para ter um abordagem holístico do tema. Trata-se, portanto, de um estudo de natureza qualitativa, de escopo exploratório-descritivo, e delineamento bibliográfico e documental. A investigação envolveu os seguintes procedimentos metodológicos: a) o levantamento bibliográfico do corpus júris internacional, leis nacionais do Brasil, artigos e livros atinentes à temática dos direitos humanos dos refugiados; b) análise das informações levantadas à luz da Teoria da Prática de Pierre Bourdieu, seus conceitos de habitus e capital para o cenário do refúgio no Brasil; c) revisão de literatura acerca das políticas públicas implementadas pelo Comitê Nacional para os Refugiados dos anos 2018 e 2019, para a inclusão local dos refugiados, artigos e livros pertinentes às políticas públicas e soluções duradouras e mediante a obtenção de informação sobre o contexto atual de asilo mediante entrevistas feitas a funcionárias expertas da Organização dos Estados Americanos (OEA). para o equacionamento da problemática dos refugiados. O presente estudo conclui que o panorama do refúgio no Brasil precisa ser uma prioridade na agenda política, e o governo federal brasileiro precisa atuar com congruência em parceria da sociedade civil e o mundo acadêmico, usando todas as ferramentas para que as decisões considerem o bem-estar dos refugiados e da sociedade de acolhimento, já que se identificou que Brasil tem uma lei progressista, mas com um aparelho de implementação não correspondente à eficiência necessária.

A beira da BR-10, em Teixeira de Freitas, Bahia, tornou-se uma opção de moradia e reprodução social para inúmeras pessoas e famílias, que edificam suas casas com materiais diversos, utilizando desde barro, pedaços de madeira, papelão, restos de materiais de construção, a lascas de tábuas, e utilizam a terra, principalmente, para o plantio de gêneros de subsistência. Nesta pesquisa, denominamos essas pessoas de beiradeiros, indivíduos que ocupam terras comunais e se constituem como um novo tipo de posseiro. A pesquisa tem por objetivos revelar a existência dessa população, analisar o perfil socioeconômico, compreender de onde vieram, como sobrevivem, quais os motivos que os levaram a ocupar as terras à margem da rodovia, qual nível de acesso às políticas sociais existentes no país e qual é o grau de vulnerabilidade social em que vivem. A metodologia utilizada na pesquisa combina métodos quantitativos e qualitativos, com a aplicação de questionários socioeconômicos para 68 famílias instaladas ao longo de 25,7 km da referida rodovia e os registros no caderno de campo produzido durante as visitas ao local pesquisado. Os resultados da pesquisa indicam que os beiradeiros são pessoas da região que encontraram nas faixas de domínio da beira da rodovia BR-101 a oportunidade de ter acesso à terra e se constituem um tipo de posseiros que ocupam um comum, vivem em uma situação de extrema vulnerabilidade social, e, consequentemente, constroem um modo de vida sui generis.

A presente dissertação analisou as transformações no espaço geográfico da Orla Norte de Porto Seguro através de uma dinâmica de urbanização baseada no turismo de temporada, tendo por objeto de estudo as estratégias empresariais da Rede de Condomínios Residenciais Tonziro. Para tanto, a análise teve início com a delimitação e a reconstrução da paisagem natural da Orla Norte. Feito isso, foi possível compreender como ocorreu a transformação do espaço geográfico através dos empreendimentos imobiliários e de lazer. Desse modo, o trabalho contribuiu para determinar o sentido da expansão urbana bem como esclarecer e registrar a divisão territorial dos bairros da Orla Norte, caracterizando os mesmos quanto à sua gênese, limites e aspectos essenciais de ocupação. Por fim, e não menos importante, este trabalho discute a transformação da natureza e a luta pela regulamentação das áreas e formas de ocupação das barracas que comercializam o lazer na praia. Com isso, foi possível compreender as etapas da dinâmica de territorialização da rede de Condomínios Residenciais Tonziro, que articula relações entre Governador Valadares, EUA e Porto Seguro, fomentando a indústria do turismo e construindo territorialidades. O método utilizado foi o estudo de caso com abordagem geossistêmica. As metodologias adotadas foram o levantamento bibliográfico, imagens de satélite do programa Google Earth Pro 2019, observação in loco e entrevistas.

O presente trabalho busca discutir e analisar os modos de organização do Movimento de Luta por Teto – MLT, através de estudo de caso na ocupação Rosa Luxemburgo, verificando como se processou esse movimento na cidade de Teixeira de Freitas – Bahia enquanto movimento social urbano contemporâneo e as suas formas de organizações. Verificamos a existência de uma maneira peculiar e diferenciada de se criar as estratégias de luta, comunicação com os órgãos governamentais, por se tratar de um movimento social urbano e contemporâneo de interior. A constituição de 1988 trouxeram grandes avanços para a política habitacional do Brasil, por nela trazer três pilares para discutir os problemas habitacionais como o Direito a cidade, função social e gestão democrática da cidade. Essas se tornaram bandeira de lutas de diversos movimentos sociais, inclusive o Movimento dos Trabalhadores sem Teto – MTST, Movimento dos Trabalhadores sem Teto da Bahia – MSTB e o Movimento de Luta por Teto – MLT de Teixeira de Freitas que possui modos de organização e estratégias fluidas, sem nenhum arcabouço teórico, normas e regras, dando prioridade para as decisões e debates de idéias durante as assembléias gerais, e não possui nem sede ou estatuto, dando inicio a ocupação e posteriormente sai da linha de frente dando espaço para a associação de moradores, e, assim, se movendo dentro da cidade para outro espaço que não possui os seus fins sociais. Sempre quando se cria uma ocupação, todas suas idéias e estratégias são recriadas do zero com os novos ocupantes e com uma nova coordenação. Conceitualmente, abordamos os movimentos sociais a partir dos estudos de Maria da Gloria Gohn (1997 e 2014) e Ruth Cardoso (1987 e 2008), que contribuíram para o melhor entendimento das especificidades dos movimentos sociais urbanos contemporâneos. Trabalhamos, ainda, o conceito de cidadania de acordo com Evelina Dagnino (2004) bem como o de problemas habitacionais urbanos da professora Erminia Maricato (2015). Para finalizar, tentamos definir o que entendemos por organizações sociais, partindo de alguns clássicos como Max Weber e Joseph Proudhon até chegar em autores contemporâneos como citados acima. As técnicas utilizadas envolveram a coleta de dados através de entrevistas semi estruturadas com coordenadores e ocupantes, fazendo também levantamento e relatório das concepções que foram averiguadas durante as entrevistas na ocupação.

Essa dissertação é uma etnografia das práticas políticas em torno do samba de roda, abordando, durante os anos de 2018 e 2019, o Samba de Roda das Marisqueiras produzido pela Associação das Marisqueiras e Pescadoras de Belmonte (AMPB). O objetivo é compreender como a produção da “brincadeira” do Samba de Roda das Marisqueiras se relaciona com a noção de “luta”, como uma prática política empenhada para viabilizar a continuidade do “viver da pesca” da comunidade tradicional de pescadores da Biela, bairro de Belmonte, cidade do litoral do sul da Bahia. Além de se propor a “ajudar” a “dar atenção” a essa “brincadeira” com foco a contribuir no “enfrentamento” das “lutas” pela AMPB, conforme demanda levantada junto à diretoria desta associação.

Para tanto, é necessário identificar o contexto sociocultural, político e ambiental em que o Samba de Roda das Marisqueiras é produzido e entender os processos de “decisão” que estão envolvidos na produção deste samba de roda, em sua interação com as “lutas” desta associação formada por mulheres “marisqueiras”. Diante disso, verifica-se que as noções de “união”, “ajuda”, “cuidado”, “ouvir”, “chamamento” e “balanço” são concebidas como importantes formas de se estabelecer relações e atuar politicamente, promovendo o “fortalecimento” dos participantes do samba de roda, a própria AMPB e a “comunidade pesqueira” para os “enfrentamentos” das “lutas”. Constatou-se também na “comunidade” relações de conflitos de gênero e geracionais que perpassam a produção do “samba” e as “organizações” das “lutas”, abordados pelas categorias nativas de “mentira”, “sem o que fazer”, “alarde”, “ciúmes”, “picuinha” e “aparecer por cima”.

Foi desenvolvido, junto com componentes da AMPB, um projeto proposto para o edital de 2020 da Lei Rouanet, alinhado com os meios e pressupostos que o grupo concebe como formas de “fortalecer” e “cuidar” deste “samba”. Assim como uma apostila com receitas “tradicionais” da culinária da “comunidade” para serem distribuídas junto aos participantes da oficina de culinária, realizada pelas componentes da AMPB, durante o Festivale que se realizou em Belmonte em julho de 2019. Além de ter “ajudado”, em meio aos empenhos deste trabalho, em “articulações” durante o “combate” ao derramamento de óleo bruto que alcançou a cidade em outubro de 2019, bem como na produção de alguns “sambas” realizados no período desta pesquisa.

Os livros digitais, também conhecidos como eBooks, são encontrados em diversos formatos de arquivo, sendo o ePub3 (W3C, 2019) um deles. Desde 2016, o Ministério da Educação do Brasil (MEC), através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), adota o ePub3, como o formato de livro acessível para os alunos com deficiência visual. Esta dissertação tem como objeto de pesquisa o livro didático digital (LDD) acessível no formato ePub3, suas origens e suas possibilidades pedagógicas. Os objetivos desta pesquisa são: 1) analisar as trajetórias que geraram o ePub3 acessível a partir das histórias do Livro Didático, do Livro Digital, e do Livro Acessível; 2) analisar as políticas públicas do MEC voltadas ao LDD acessível; 3) estudar as possibilidades pedagógicas na universalização do LDD acessível atual (2020), utilizando as diretrizes do Livro de Design Universal (LDU), para que todos os estudantes da rede pública, além dos alunos com deficiência visual, tenham acesso a esse LDD. Como método, será realizada uma revisão bibliográfica das histórias do livro didático, do livro acessível e do livro digital, que confluíram para tornar o ePub3 o LDD escolhido como modelo pelo MEC. Serão estudados os artigos acadêmicos que tratam da história do livro acessível nas políticas públicas do MEC; também serão analisados os documentos oficiais do MEC com as diretrizes para seus LDDs, bem como os editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que materializaram estas políticas públicas no período entre 2011 e 2018.

Esta dissertação parte do pressuposto de que a realidade periférica tem um sentido político, econômico e social, produto do distanciamento, da exclusão e da segregação. A periferia urbana é o lugar a partir do qual aqui se interroga a questão social. Ela expressa de forma contundente as desigualdades e o processo de precarização social resultante de escolhas políticas que alimentam um injusto esquema de distribuição de poder. A educação é neste trabalho considerada como um campo específico de atuação do poder público junto a este grupo. Nesse contexto, o convênio entre a Secretaria de Educação do Estado da Bahia e da Universidade Federal do Sul da Bahia é aqui tomado como um objeto específico de nossa análise, por meio de pesquisa de campo realizada junto a estudantes de ensino médio em uma das escolas por ele geridas, o Complexo Integrado de Educação de Itabuna (CIEI). A proposta pedagógica assumida pelo CIEI de formação cidadã, pautada na democracia e na defesa dos 

1.      direitos humanos, indissociabilidade entre educação e prática social, problematização e enfrentamento de desafios do mundo contemporâneo, produção coletiva do conhecimento, fortalecimento da participação popular no cotidiano e valorização da concepção multicultural da vida em sociedade é aqui confrontada com os padrões de reconhecimento social teorizados por Axel Honneth. A tentativa de costurar analiticamente estas esferas traduz-se no esforço de entender as tensões constitutivas das relações entre a naturalização da desigualdade no Estado brasileiro, a vida cotidiana nas periferias e a experiência dos estudantes no CIEI, que interagem nesse espaço com uma multiplicidade de sujeitos e com uma atuação pública voltada para sua socialização e desenvolvimento de competências diversas. Optou-se por uma pesquisa qualitativa, apoiando-se no método indutivo e em um estudo de ordem exploratória, coletando-se dados empíricos através da aplicação de questionário, rodas de conversa e realização de atividades em grupo. Observou-se: 1. que a ausência de prestação adequada dos serviços públicos constitui um marcador de diferença muito contundente, formando a ideia que se faz da periferia e tendo sido apontada pelos estudantes como principal elemento que favorece a associação destes bairros com a pobreza e a criminalidade, indicados como principais estereótipos que recaem sobre estes sujeitos; 2. que as limitações impostas à periferia constitui uma ameaça às liberdades individuais do indivíduo, isto é, uma experiência de negação do reconhecimento jurídico, e consequentemente, da autopercepção de igualdade; 3. que a individualidade do sujeito é maculada, na medida em que ele é impossibilitado de estimar-se simetricamente, isto é, de se considerar reciprocamente útil à luz de valores que reconheçam as suas capacidades como relevantes para a práxis comum; 4. que, para promover o reconhecimento e romper determinismos sociais, a experiência periférica dos estudantes deve ser problematizada no meio escolar, apostando-se que a “leitura de mundo” e reflexão crítica da realidade pode desfazer os estigmas e a marginalização.

Esta dissertação pretende discutir as questões que envolvem a violência doméstica e as razões da solidão afetiva em mulheres negras vítimas de violência doméstica na cidade de Itabuna – Bahia, paralelo a isso, buscamos analisar como funciona a rede de enfrentamento à violência contra a mulher do município e de que forma ela atua na prevenção, combate e enfrentamento à violência doméstica. Para discutir a violência doméstica e a solidão, entrevistamos quatro mulheres sem parceiros afetivos fixos e foram realizadas visitas e entrevistas como as gestoras/servidoras da rede de enfrentamento a violência. Assim, optamos por uma pesquisa qualitativa, realizada com entrevistas semiestruturadas, analisadas a partir de um perfil socioeconômico, levando em consideração a interseccionalidade de marcadores sociais como gênero, raça, classe e geração, abordando as histórias de vida dessas mulheres e suas experiências de violência doméstica, além de considerar as razões que a levam a estarem solitárias. Utilizamos também outras fontes, como dados de violência da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher – DEAM, o que nos permitiu discutir o feminicídio e o significado dos assassinatos de mulheres em confluência com a violência doméstica; referências bibliográficas e dados de mapas, atlas e estudos específicos relacionados aos temas discutidos na pesquisa. Trazemos a discussão sobre a importância das políticas públicas para a população negra e como essas políticas podem colaborar a equidade de raça e classe, além de debater a importância do movimento feminista negro e as suas pautas. Por fim, demonstramos que os traumas causados pela violência sofrida atualmente determina a situação afetiva dessas mulheres e que a rede de enfrentamento à violência contra a mulher carece de melhorias, qualificação e robustez para a atender à demanda da cidade.

A gigantesca discrepância latente no Século XX entre a justiça civil e a justiça
social levou a academia jurídica a flexibilizar suas diretrizes normativistas por
entender a necessidade da realização de investigações empíricas que
identificassem as tantas barreiras de acesso à Justiça enfrentadas por diferentes
categorias de atores sociais. Em se tratando de comunidades camponesas ou
rurais, devido a suas especificidades geográficas, étnicas e sociais, tais
investigações se mostraram ainda mais necessárias, de maneira que o contato
próximo que permitisse uma abordagem etnográfica junto a essa categoria foi
fundamental na identificação desses obstáculos com vistas à proposição de
sugestões práticas de resolução da questão do acesso à justiça, de forma a
tornar a entrada e o decorrer de um processo judicial mais democrático e justo.
Portanto, o que proponho no presente trabalho é uma investigação antropológica
visando identificar como uma comunidade rural no sul da Bahia se relaciona com
o direito de acesso à Justiça.

 O cuidado destinado a sujeitos com transtorno mental no Brasil foi prestado historicamente, por um modelo hospitalocêntrico de internamento e medicalização, este vem sendo questionado a partir da segunda metade do século XX, por atentar contra a dignidade dos sujeitos, limitar o exercício da cidadania e dos direitos e contribuir para a manutenção de estereótipos e valorações negativas da loucura. O presente trabalho se propõe analisar a experiência de cidadania de usuários do CAPS II de Porto Seguro - Bahia, nas suas narrativas do cotidiano, como participantes de uma política pública estimuladora do desenvolvimento e exercício da mesma através da restituição de direitos, questionando a negatividade socialmente construída do conceito de doença mental e a imagem de um indivíduo desprovido das características humanas mais essenciais e valoradas pela modernidade: sua razão e sua vontade. Para tal, o trabalho pretende descrever as práticas cotidianas dos participantes nos distintos espaços de sociais; identificar as formas de menosprezo e reconhecimento subjetivo, por eles experimentadas e analisar as significações a respeito da função do CAPS. Para pensar esta questão aborda-se a modernidade como um período na qual a loucura passou a ser compreendida como doença mental. Tal condição subjetiva ameaçava o edifício moderno levantado nas bases da razão. O louco passou a ser visto como um ser inadequado socialmente, improdutivo e incapaz de responder às demandas dos ideais da época, sendo excluído da possibilidade do exercício de cidadania. Partindo deste panorama histórico-cultural é realizado um diálogo entre os conceitos de cidadania e subjetividade. Do ponto de vista epistemológico trata-se de um estudo interpretativo de casos múltiplos. O método utilizado para a produção das narrativas foi a foto-provocação, uma modalidade que combina fotografias e entrevistas. Seguindo esse modelo, foi solicitado aos participantes que fotografassem o seu cotidiano, posteriormente foram realizadas entrevistas a partir das imagens selecionadas pelos sujeitos. As narrativas produzidas pelos participantes foram analisadas partindo de categorias orientadoras produzidas com base nos objetivos. O processo de análise foi realizado com a ajuda do software Atlas.ti 8. Esta pesquisa teve como resultado a análise das experiências de reconhecimento e de menosprezo pelas quais os entrevistados passam, sendo estas vivências contraditórias e que permitem o desenvolvimento de aspectos subjetivo e características de sua personalidade ligadas a autoconfiança, autorrespeito e autoestima e como a negação deste reconhecimento gerou marcas nestes indivíduos, mas ao mesmo tempo abriu espaço para lutas para este reconhecimento intersubjetivo permitiu, também, realizar uma reflexão a respeito do papel do CAPS na efetivação dos princípios que orientam as políticas públicas de saúde mental pautada pela restituição de direitos e o reconhecimento da cidadania dos usuários.

Pensar a cidade a partir das relações sociais estabelecidas em seus territórios pressupõe que esta seja carregada por diferentes marcas e desejos que se encontram presentes na memória das comunidades locais, sejam estas afetivas ou não. Assim, as ruas, praças e os bairros enquanto elementos da paisagem humanizada são considerados como territórios vivos, constituídos por interesses e usos distintos que simbolizam espaços de luta, trabalho e resistência. Neste contexto, a pesquisa pautou-se na possibilidade de identificar as formas de territorialidades construídas pelos moradores dos bairros Baianão e Campinho, localizados no município de Porto Seguro-Ba, bem como compreender as implicações identitárias, culturais e ambientais que estão submetidas às populações subalternizadas destes bairros, de forma a possibilitar que os mesmos possam identificar através da percepção socioespacial, a importância do direito de acesso e uso dos seus territórios abrigo. Para tanto, utilizou-se como procedimento metodológico de pesquisa uma abordagem qualitativa, com o uso da cartografia social como instrumento de representação do vivido e também como ferramenta capaz de proporcionar a comunidade envolvida um olhar mais próximo das suas próprias realidades, no afã de estabelecerem uma reflexão crítica sobre os problemas socioculturais e ambientais que permeiam estes lugares. Também foram utilizadas no estudo, as histórias orais da vida cotidiana dos moradores locais, constituídos em sua maioria por nativos e também migrantes reterritorializados da região Sul da Bahia, que diante da precarização imposta pela crise cacaueira, foram obrigados a deixar seus lugares e construírem nesta região novas territorialidades. Como aporte teórico, a pesquisa dialogou com autores ligados a Geografia Humanista e envolveram a construção dos conceitos de lugar e território a partir de uma perspectiva simbólica e cultural e suas inter-relações nos espaços vividos, além da presença de autores que compreendem o território enquanto espaço socialmente produzido, embasado numa reflexão tanto material como simbólica, atribuindo ao conceito maior sentido e materialidade. Mesmo diante de um cenário contraditório, marcado por relações desiguais de poder, verificou-se através dos registros orais ou mesmo nos mapas mentais produzidos, que estes sujeitos estabeleceram uma relação de identidade e pertencimento com seus territórios de vida e as formas de territorialidades construídas por estes moradores foram representados através de vários elementos significativos da paisagem, carregados de simbolismos e subjetividades.

O presente estudo analisa o papel das famílias de presos no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, BA. Os estudos prisionais apontam para o fato de que atualmente no país o processo de gestão dos presídios requer acordos tácitos ente o Estado, os presos e as famílias. A família cumpre um papel relevante no cotidiano do preso com responsabilidade pelo sustento econômico, afetivo e material do detento. Neste sentido, o objetivo principal da investigação foi verificar a importância da família por intermédio da sua ausência, isto é, focalizou-se as dificuldades enfrentadas no “tirar cadeia” daqueles presos que não recebem apoio familiar, em destaque o couro de rato. A pesquisa é de natureza qualitativa e foi baseada na técnica de entrevistas, visitas regulares ao presídio e anotações no caderno de campo. Ao todo foram entrevistados trinta e um presos. Além disso, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre os estudos já realizados, abordando os efeitos psicossociais da prisão na pessoa encarcerada e nos familiares. Observou-se que os efeitos psicossociais do encarceramento para aqueles que não recebem apoio familiar tendem a ser ainda mais intensos, os achados da investigação apontam para a exploração do trabalho dessas pessoas pelos presos que possuem condições financeiras para pagar pelos serviços dentro das unidades prisionais, além de cooptação para realizar atividades criminosas. A exploração decorrente dos baixos valores pagos pelas atividades e os privilégios daqueles que estão próximos ao poder não é questionada por aqueles que estão em situação de vulnerabilidade financeira. A pesquisa de campo demonstrou ainda a internalização, pelos presos, da necessidade de comando para organizar o dia a dia no pátio e manter a paz na cadeia, apesar de alguma crítica por eventuais excessos praticados por aqueles que estão nas funções de poder.